17.04.2013 Views

a dança dos encéfalos acesos

a dança dos encéfalos acesos

a dança dos encéfalos acesos

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Próteses se corporificam. Um exemplo nítido disso foi percebido quando a<br />

bailarina Janaina Macedo, não mais parte do elenco da companhia, entra<br />

engatinhando, em uma das cenas do espetáculo, e se dirige ao canto direito<br />

do palco. Ela anda de quatro de uma forma especial, da mesma maneira com<br />

que Gregório Sartori anda com próteses metálicas. É neste sentido, sutil, que o Cena 11<br />

presentifica a tecnologia: na carne.<br />

Quando a animação de uma criatura de videogame é projetada, tem-se uma impressão<br />

similar e ainda mais híbrida. Humano-bicho-máquina. A criatura é fronteira entre bípede<br />

e quadrúpede, animal e humano, homem e máquina, corpo e prótese. Vale ressaltar o<br />

depoimento de Fernando Rosa, que desenvolveu a animação, a qual pode ser vista no site<br />

da companhia: “A cabeça já existia desde que começamos a pensar o Violência. Durante<br />

a finalização da montagem é que surgiu a idéia de fazer um trecho com o Gregório na<br />

perna de pau. Fui aos ensaios algumas vezes para ver como ele andava, mas na verdade o<br />

que valeu mesmo foram minhas caminhadas de quatro pela casa. Para a cabeça, escaneei<br />

meu belo sorriso escancarado, trabalhei no Photoshop, imprimi e desenhei o rosto ao<br />

redor do sorriso (com o treco que estica a boca). Voltei ao Photoshop para<br />

finalizar, aplicar sombras... Para animar a caminhada, usei o Fractal Design<br />

Poser. É como um daqueles bonecos de madeira que se usam para estudar<br />

luz e sombra – com articulações e tudo o mais. Nesse caso, sendo digital,<br />

pude também fazer animação com a figura e criar deformações (como<br />

pernas beeeem compridas). Como o programa é ‘mais ou menos’, precisei<br />

retocar quadro a quadro no Photoshop e também apagar a cabeça para<br />

inserir a que havia desenhado. Por fim, usei o Adobe After Effects para<br />

montar tudo. Já as animações da videocenografia (a abertura) só foram<br />

pensadas quando a montagem do espetáculo já estava em andamento.<br />

Eu já tinha os símbolos e a imagem da mão, mas só virou animação bem<br />

depois” (ROSA, Fernando, 2000). 3<br />

“Homem e criatura <strong>dança</strong>m. A <strong>dança</strong> aqui revela alto teor de coletividade:<br />

corpo com ou sem prótese quase não faz diferença. O movimento apresenta a mesma<br />

textura. Orgânico e inorgânico dissolvem limites. Corpos atuam na fronteira. O que é o<br />

meu corpo, o que é o outro corpo, o que são dois corpos em relação? Choque no acrílico:<br />

até onde vai o meu corpo? Qual é o limite?<br />

Essa discussão continua no solo entre bailarina e cadeira. Hoje realizado pela bailarina Karina<br />

Collaço, […] o solo de Letícia Testa com a cadeira promove um brutal deslocamento entre sujeito<br />

e objeto. Quem <strong>dança</strong> com quem? Quem age sobre quem? As referências estão deslocadas e, de<br />

repente, a cadeira surge como um corpo também agente” (KATZ, 2000, p.D3)<br />

3 Conforme depoimento<br />

de Fernando Rosa para a<br />

autora, via e-mail, 2000.<br />

A cena se desenrola da seguinte maneira: por instantes, o que se vê é uma seqüência de<br />

fotos de cadeiras com recortes de ângulos sendo projetada. Hedra Rockenbach começa a<br />

cantar. Há um clima, uma certa expectativa. Entra, caminhando, a bailarina Karina Collaço.<br />

A cadeira está jogada no palco. Ela a apruma e dirige-se ao canto direito do palco para<br />

então virar-se de frente para o objeto. Pequena pausa. Suspense. A bailarina sai correndo<br />

e se joga, atropelando a cadeira. Bailarina e cadeira caem deita<strong>dos</strong>.<br />

Karina se levanta, anda calmamente (como se nada tivesse acontecido, como se ignorasse<br />

a violência do movimento que acabara de executar) e larga seu corpo sobre a cadeira.<br />

Toma um impulso e se joga no chão de barriga para baixo. Toma um novo impulso e se<br />

lança sobre o objeto. Ambos caem. A bailarina se levanta, ao som da bela voz de Hedra, e<br />

recoloca a cadeira (que fica com duas pernas no ar) deitando-se sobre ela de barriga para<br />

baixo, deixando a ação do peso agir. Seu corpo escorrega para frente e cai no chão. Com<br />

as pernas ainda entrelaçadas ao objeto, toma um impulso e projeta corpo e cadeira.<br />

Levantando-se com calma, apruma a cadeira no centro. Caminha até o lado esquerdo<br />

no fundo do palco, corre e se arremessa sobre o objeto, num sobrevôo. Ambos caem<br />

novamente. O corpo da bailarina rola no chão até parar. Em seguida, repete a seqüência.<br />

Violência é um ritual da escravização da atenção, e quem manipula a linguagem,<br />

manipula o poder.<br />

Entre verdade<br />

E cura<br />

Entre imagem<br />

E gosto<br />

Entre tantos<br />

Entre teu olho e o vidro<br />

Entre teu riso e o claustro<br />

Entre carne<br />

Entre a escolha<br />

E o hábito<br />

Entre a palavra<br />

E o castigo<br />

Entre pele<br />

Entre o céu e a terra, Santo<br />

(Quiero que te mueras)<br />

Entre os fracos, Glória<br />

98 Gregório Sartori encarna a criatura de videogame ao carregar uma arma de brinquedo que atira bolas de<br />

tinta colorida na parede de acrílico, fazendo o público de alvo.<br />

Karin Serafin arremessa seu corpo contra o de Karina Collaço, na última cena de Violência.<br />

99

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!