Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG
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do das palavras. Está assim, caracterizada sua chegada ao nível 4<br />
<strong>de</strong> nosso gráfico. Cantando, dirigiu-se a uma paciente do grupo,<br />
como se agra<strong>de</strong>cesse os comentários feitos sobre sua melhora:<br />
“...é impossível não crer em ti,<br />
é impossível não te encontrar<br />
é impossível não fazer <strong>de</strong> ti meu i<strong>de</strong>al...”<br />
Nas três sessões seguintes, Carlos se manteve no nível 4, <strong>de</strong>monstrando<br />
integração com o grupo, verificada no comentário final<br />
da oitava sessão quando, dirigindo-se a um paciente, disse:<br />
“É sublime saber que você me viu...”<br />
Nessa mesma fase, tocou o bloco sonoro muito mais livremente,<br />
ampliando sua movimentação <strong>de</strong> braço e tronco, diretamente<br />
ligada a maneira como produz sons nesse instrumento.<br />
Com a entrada <strong>de</strong> uma nova paciente no grupo, na 10ª sessão,<br />
Carlos intimidou-se. Parecia sentir-se ameaçado pelo jeito controlador<br />
e dominador <strong>de</strong>ssa paciente. Nesse sentido, um episódio<br />
bem expressivo, foi quando ela quis <strong>de</strong>terminar como ele <strong>de</strong>veria<br />
tocar o metalofone. Nesta ocasião, chegou a retirar esse instrumento<br />
<strong>de</strong> suas mãos, apesar <strong>de</strong> nossas intervenções. Além disso,<br />
Carlos passou a ser, constantemente, criticado por ela. Certa vez,<br />
levantou-se a hipótese <strong>de</strong> que o comportamento <strong>de</strong>ssa paciente<br />
po<strong>de</strong>ria estar remetendo-o à mesma situação <strong>de</strong> reprovação e não<br />
aceitação já vivida com seu pai.<br />
Durante algumas sessões seguintes se manteve calado e pouco<br />
participativo (retorno ao nível 2 do gráfico). Esse período <strong>de</strong><br />
“recolhimento” <strong>de</strong> sua expressivida<strong>de</strong>, e conseqüente quebra <strong>de</strong><br />
sua crescente evolução, foi o que motivou nosso estudo. Mais que<br />
isso, foi fator <strong>de</strong> inquietação, levando-nos a refletir sobre possíveis<br />
intervenções para evitar a estagnação do processo grupal.<br />
Quando, na 17ª sessão, voltou a estabelecer diálogos rítmicos<br />
com a coor<strong>de</strong>nadora, <strong>de</strong>monstrou que sua participação no grupo<br />
estava novamente no sentido crescente, <strong>de</strong> acordo com o gráfico.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que ele voltou a atingir o nível 4 (19ª sessão)<br />
quando dançou livremente em meio ao grupo, foi até a janela e a<br />
usou como barra, apoiando-se para exercícios <strong>de</strong> aquecimento<br />
para as pernas. Acreditamos que, nesse momento, sua vivência no<br />
balé apareceu claramente e <strong>de</strong> forma prazerosa. Voltando ao grupo,<br />
sugeriu músicas, disse que queria tocar ao piano. Embora tenha<br />
se aproximado, não chegou a tocar. Rodou, bateu palmas,<br />
<strong>de</strong>u piruetas e assobiou à vonta<strong>de</strong>.<br />
Até a última sessão consi<strong>de</strong>rada para o presente estudo<br />
(14/10/97), Carlos permaneceu se expressando ativamente por<br />
meio <strong>de</strong> recriações, improvisações e movimentações corporais livres.<br />
Nesse período usou termos como “<strong>de</strong>scobrir a vida”, marcando<br />
ativamente sua presença, fosse alongando o corpo, fosse levantando<br />
a cabeça e, ainda, movimentando-se com maior naturalida<strong>de</strong><br />
pela sala. Nesse mesmo dia foi ao piano e, espontaneamente,<br />
dividiu com a coor<strong>de</strong>nadora do grupo e mais um paciente o mi<br />
bemol 4. “Toquei a minha nota...”, disse. Nesse momento, não nos<br />
interessava avaliar se o paciente estava apresentando ou não sintomas<br />
produtivos. Nosso objetivo era verificar <strong>de</strong> que forma sua<br />
vida <strong>de</strong> relações melhorava, qualitativamente.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos, <strong>de</strong> alguma forma sintomático, que ao cantarmos<br />
sobre o pai, em improvisação iniciada por outro paciente,<br />
Carlos tenha tocado o atabaque com força. Especulamos uma<br />
possível reação agressiva ao tema proposto em canto.<br />
Através dos instrumentos musicais, pu<strong>de</strong>mos sugerir uma leitura<br />
musicoterápica.<br />
Os dois primeiros instrumentos escolhidos por Carlos, tambor<br />
e afoxé, são os dois primeiros instrumentos criados pelo homem.****<br />
Carlos passa então para um instrumento melódico rudimentar,<br />
o bloco sonoro – feito <strong>de</strong> cabaças e, posteriormente, para um<br />
instrumento <strong>de</strong> metal (metalofone), introduzindo o cromatismo.<br />
Numa sessão fecha o metalofone, <strong>de</strong>dilha sobre o estojo,<br />
como se antecipasse sua ida ao piano.<br />
No momento em que se dirige ao piano e toca o mi bemol 4,<br />
a coor<strong>de</strong>nadora faz um acompanhamento compatível (I,V,I - mi<br />
bemol maior). Outro paciente vai também para o piano e toca nas<br />
teclas brancas. A coor<strong>de</strong>nadora faz em dó maior - I, VI, II, V, I.<br />
Carlos sai do piano e começa a cantar o trecho da Figura 4.<br />
Figura 4 - Carlos canta<br />
Isso, provavelmente, mostra-nos sua inserção na harmonia.<br />
Referindo-se ao que a coor<strong>de</strong>nadora havia feito no piano, pára e<br />
diz: “eu cantei aquilo”. Embora o paciente se mostrasse tantas vezes<br />
distante do contexto do grupo, esse evento ressaltou atenção<br />
e interesse para uma nova situação que parecia prazerosa.<br />
Os instrumentos postos nessa seqüência (tambor - afoxé - bloco<br />
sonoro - metalofone - piano) indicam a passagem <strong>de</strong> instrumentos<br />
rítmicos para harmônicos, atravessando os melódicos. Esse<br />
movimento <strong>de</strong> trocas sugere, igualmente, um aspecto evolutivo.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista musicoterápico, consi<strong>de</strong>ramos que os instrumentos<br />
rítmicos (com os quais iniciou as ativida<strong>de</strong>s) são mais primitivos<br />
e seus estímulos sonoros não exigem processamento em<br />
nível cortical. Instrumentos melódicos pressupõem relação intervalar<br />
entre sons, exigindo possibilida<strong>de</strong>s mais amplas <strong>de</strong> escuta e<br />
produção <strong>de</strong> sons em diferentes alturas. No final <strong>de</strong>ssa hipotética<br />
escala progressiva estaria o piano, instrumento harmônico, capaz<br />
<strong>de</strong> ampliar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sons simultâneos, exigindo maior<br />
integração cognitiva. Po<strong>de</strong>mos dizer que houve, portanto, uma<br />
evolução gradativa em sua produção sonora, quando analisamos<br />
os elementos constitutivos da música: ritmo, melodia e harmonia.<br />
Conclusão<br />
No processo musicoterápico <strong>de</strong> Carlos observamos uma nítida<br />
melhora em sua vida <strong>de</strong> relações, aqui revelada através do gráfico<br />
evolutivo.<br />
Nossas observações clínicas indicam que as melhoras obtidas<br />
através das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> musicoterapia ocorrem, particularmen-<br />
Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):16-20 19