Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG
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nadas idéias que po<strong>de</strong>m inclusive dominar o pensamento <strong>de</strong> tal<br />
forma que durante semanas ou meses se manifestam sempre as<br />
mesmas escassas locuções. Freqüentemente, observamos também<br />
a tendência a rimas, a repetição sem sentido <strong>de</strong> sons, a forçadas<br />
brinca<strong>de</strong>iras com palavras.<br />
Muito prejudicada é, sem exceção, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juízo dos<br />
doentes. Embora <strong>de</strong> vez em quando se movimentem tão seguros<br />
em conhecida trilha, logo costumam fracassar assim que se trata<br />
<strong>de</strong> assimilar mentalmente novas experiências. Não mais compreen<strong>de</strong>m<br />
corretamente o que suce<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong>les, não se dão<br />
conta das circunstâncias, não meditam, não chegam à conclusão<br />
mais indicada e não fazem reparos a si mesmos. Por conseqüência,<br />
possuem no mais das vezes uma idéia totalmente falsa <strong>de</strong> suas<br />
situações, <strong>de</strong> seus estados. Se também existe não raramente uma<br />
certa consciência da alteração doentia que os envolveu, falta-lhes<br />
usualmente a compreensão mais profunda para a gravida<strong>de</strong> do<br />
transtorno e para as extensas consequências que o mesmo lhe trará<br />
para todo o futuro.<br />
Com extrema freqüência se <strong>de</strong>senvolvem nesse terreno idéias<br />
<strong>de</strong>lirantes, passageiras ou duradouras. No primeiro momento da<br />
doença elas costumam apresentar prepon<strong>de</strong>rantemente conteúdo<br />
<strong>de</strong> tristeza, idéias hipocondríacas, <strong>de</strong> culpa e <strong>de</strong> perseguição.<br />
Mais tar<strong>de</strong> se associam freqüentemente idéias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, ou estas<br />
bem que se apresentam em primeiro plano. Todas essas idéias<br />
<strong>de</strong>lirantes mostram muito prontamente, via <strong>de</strong> regra, um caráter<br />
absurdo e excêntrico, aparentemente <strong>de</strong>vido ao enfraquecimento<br />
mental que rapidamente se <strong>de</strong>senvolve. Elas também não são<br />
imutáveis, senão que seus conteúdos variam mais ou menos rapidamente<br />
mediante o <strong>de</strong>saparecimento dos anteriores, novos elementos<br />
se apresentam. Às vezes os doentes manifestam quase todos<br />
os dias novas particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lirantes, apesar <strong>de</strong> certa característica<br />
duradoura, e bem que se <strong>de</strong>ixam ainda incitar, através<br />
<strong>de</strong> persuasão, a inventar quaisquer formações <strong>de</strong>lirantes. Na<br />
gran<strong>de</strong> maioria dos casos a formação <strong>de</strong>lirante, inicialmente muito<br />
exuberante, cessa gradual e totalmente. Quando muito, permanecem<br />
ainda por algum tempo idéias <strong>de</strong>lirantes isoladas, que não<br />
mais são elaboradas, ou elas emergem <strong>de</strong> tempos em tempos, ou<br />
finalmente caem duradoura e plenamente no esquecimento. Apenas<br />
naquele grupo <strong>de</strong> observações que preten<strong>de</strong>mos resumir<br />
como formas paranói<strong>de</strong>s, as idéias <strong>de</strong>lirantes se conservam por<br />
mais tempo, mas também aqui elas se tornam sempre mais <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas<br />
e <strong>de</strong>sconexas.<br />
Ocorrem regularmente transtornos muito marcantes e profundos<br />
na vida afetiva <strong>de</strong> nossos doentes. O início da doença é<br />
constituído por alterações afetivas extremamente freqüentes <strong>de</strong><br />
tristeza e ansieda<strong>de</strong>, às vezes com intensa agitação. Algo mais raros<br />
são estados <strong>de</strong> animado divertimento com constantes risos<br />
exuberantes. No entanto, muito mais importante do que esses estados<br />
passageiros é o embotamento afetivo, que se manifesta sem<br />
exceção em maior ou menor grau e que representa uma das características<br />
essenciais do processo <strong>de</strong> doença. Já a falta <strong>de</strong> interesse<br />
para com o meio, acima referida, po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada<br />
como manifestação parcial <strong>de</strong>ste transtorno geral, uma vez que os<br />
motivos internos para a intensida<strong>de</strong> da atenção são fornecidos<br />
precisamente pelas emoções. A peculiar indiferença dos doentes<br />
ante suas relações outrora calorosas, a extinção da simpatia para<br />
com parentes e amigos, da satisfação com ativida<strong>de</strong>s e trabalho,<br />
com diversão e prazeres, é não raro o primeiro e mais marcante<br />
sinal do mal que irrompe. Os doentes, mesmo quando <strong>de</strong> certa<br />
forma os movimentos expressivos ainda são intensos, não sentem<br />
nenhuma alegria <strong>de</strong> fato e nenhuma tristeza mais, não nutrem <strong>de</strong>sejos<br />
nem receios, senão que vivem apáticos ao longo do dia, ora<br />
embotados e ensimesmados, ora em hilarida<strong>de</strong> supérflua. Mesmo<br />
ante mal-estar corporal parece, muitas vezes, terem-se tornado insensíveis,<br />
toleram posições <strong>de</strong>sconfortáveis, agulhadas e feridas<br />
sem se importarem muito com isso. Muitas vezes, no entanto, a<br />
alimentação é mantida por muito tempo como uma especial atração.<br />
Observa-se os doentes receberem seus parentes sem cumprimentos<br />
ou outro sinal <strong>de</strong> estímulo agradável, mas revistam apressadamente<br />
suas bolsas e cestas a procura <strong>de</strong> alimentos, que costumam<br />
abocanhar prontamente até o último resto. Também nos estados<br />
finais da doença a total indiferença ante todos os fenômenos<br />
do meio é uma característica fundamental do quadro clínico.<br />
Aqui po<strong>de</strong> muito bem, sob certas circunstâncias, associar-se uma<br />
certa irritabilida<strong>de</strong>, que no mais das vezes se manifesta apenas esporadicamente<br />
e mais raramente permanece duradoura.<br />
Passo a passo com esse profundo transtorno da vida afetiva<br />
caminham as propagadas e variadas manifestações doentias no<br />
campo do comportamento e ação, que mais conferem a todo o<br />
quadro clínico sua peculiar característica. O fundamento geral<br />
parece ser sobretudo uma redução da vonta<strong>de</strong>, como se apresenta<br />
particularmente na abulia dos estados finais, mas que frequentemente<br />
se manifesta com clareza já <strong>de</strong> início. Os doentes per<strong>de</strong>m<br />
cada impulso próprio para a ação e a ativida<strong>de</strong>, sentam-se ociosos<br />
a esmo, <strong>de</strong>scuidam <strong>de</strong> suas obrigações, muito embora talvez ainda<br />
estejam em condições <strong>de</strong> se ocuparem <strong>de</strong> estímulos externos<br />
<strong>de</strong> modo mais or<strong>de</strong>nado. Ao lado <strong>de</strong>ssa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />
autônoma po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se duradoura ou passageiramente<br />
um impulso mais ou menos intenso para o movimento, que sob<br />
certas circunstâncias aumenta até o mais tempestuoso frenesi.<br />
Mas também aqui não lidamos, como abordado anteriormente,<br />
com um aumento da vonta<strong>de</strong>, senão que apenas com uma excitação<br />
motora; os movimentos não visam a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />
objetivos, senão que constituem a expressão <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada <strong>de</strong><br />
tensão interna.<br />
No entanto, associa-se a essa excitação, via <strong>de</strong> regra, também<br />
uma facilitada transformação <strong>de</strong> impulsos <strong>de</strong> movimento em ação.<br />
Observamos nossos doentes em repentinos acometimentos <strong>de</strong>stroçar<br />
vidros, colocar as pernas através da gra<strong>de</strong> da janela, <strong>de</strong>rrubar<br />
mesas e ca<strong>de</strong>iras, machucar-se, fazer sérias tentativas <strong>de</strong> suicídio.<br />
Todas essas ações absurdas costumam ser executadas repentinamente<br />
como um raio e com gran<strong>de</strong> violência, assim que emerge o<br />
impulso para tanto. Faltam aos doentes nessas circunstâncias razões<br />
compreensíveis para o movimento, agem impulsivamente<br />
sem dar conta da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus atos, mesmo se, por vezes,<br />
procuram ainda justificá-los posteriormente através <strong>de</strong> reflexões.<br />
Essa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprimir impulsos emergentes não se encontra,<br />
porém, apenas na excitação, senão que freqüentemente<br />
também no estupor da <strong>de</strong>mentia praecox. Este é dominado, em geral,<br />
pela manifestação do bloqueio da vonta<strong>de</strong>; cada impulso é, <strong>de</strong><br />
início, apagado através <strong>de</strong> outro ainda mais forte em sentido contrário.<br />
Desse modo surge o sintoma doentio do negativismo, que<br />
encontramos aqui com infindável frequência nas mais diversas<br />
formas. Aqui pertencem a inflexível oposição contra cada mudan-<br />
Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):59-67 61