08.06.2013 Views

Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

nadas idéias que po<strong>de</strong>m inclusive dominar o pensamento <strong>de</strong> tal<br />

forma que durante semanas ou meses se manifestam sempre as<br />

mesmas escassas locuções. Freqüentemente, observamos também<br />

a tendência a rimas, a repetição sem sentido <strong>de</strong> sons, a forçadas<br />

brinca<strong>de</strong>iras com palavras.<br />

Muito prejudicada é, sem exceção, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juízo dos<br />

doentes. Embora <strong>de</strong> vez em quando se movimentem tão seguros<br />

em conhecida trilha, logo costumam fracassar assim que se trata<br />

<strong>de</strong> assimilar mentalmente novas experiências. Não mais compreen<strong>de</strong>m<br />

corretamente o que suce<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong>les, não se dão<br />

conta das circunstâncias, não meditam, não chegam à conclusão<br />

mais indicada e não fazem reparos a si mesmos. Por conseqüência,<br />

possuem no mais das vezes uma idéia totalmente falsa <strong>de</strong> suas<br />

situações, <strong>de</strong> seus estados. Se também existe não raramente uma<br />

certa consciência da alteração doentia que os envolveu, falta-lhes<br />

usualmente a compreensão mais profunda para a gravida<strong>de</strong> do<br />

transtorno e para as extensas consequências que o mesmo lhe trará<br />

para todo o futuro.<br />

Com extrema freqüência se <strong>de</strong>senvolvem nesse terreno idéias<br />

<strong>de</strong>lirantes, passageiras ou duradouras. No primeiro momento da<br />

doença elas costumam apresentar prepon<strong>de</strong>rantemente conteúdo<br />

<strong>de</strong> tristeza, idéias hipocondríacas, <strong>de</strong> culpa e <strong>de</strong> perseguição.<br />

Mais tar<strong>de</strong> se associam freqüentemente idéias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, ou estas<br />

bem que se apresentam em primeiro plano. Todas essas idéias<br />

<strong>de</strong>lirantes mostram muito prontamente, via <strong>de</strong> regra, um caráter<br />

absurdo e excêntrico, aparentemente <strong>de</strong>vido ao enfraquecimento<br />

mental que rapidamente se <strong>de</strong>senvolve. Elas também não são<br />

imutáveis, senão que seus conteúdos variam mais ou menos rapidamente<br />

mediante o <strong>de</strong>saparecimento dos anteriores, novos elementos<br />

se apresentam. Às vezes os doentes manifestam quase todos<br />

os dias novas particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lirantes, apesar <strong>de</strong> certa característica<br />

duradoura, e bem que se <strong>de</strong>ixam ainda incitar, através<br />

<strong>de</strong> persuasão, a inventar quaisquer formações <strong>de</strong>lirantes. Na<br />

gran<strong>de</strong> maioria dos casos a formação <strong>de</strong>lirante, inicialmente muito<br />

exuberante, cessa gradual e totalmente. Quando muito, permanecem<br />

ainda por algum tempo idéias <strong>de</strong>lirantes isoladas, que não<br />

mais são elaboradas, ou elas emergem <strong>de</strong> tempos em tempos, ou<br />

finalmente caem duradoura e plenamente no esquecimento. Apenas<br />

naquele grupo <strong>de</strong> observações que preten<strong>de</strong>mos resumir<br />

como formas paranói<strong>de</strong>s, as idéias <strong>de</strong>lirantes se conservam por<br />

mais tempo, mas também aqui elas se tornam sempre mais <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas<br />

e <strong>de</strong>sconexas.<br />

Ocorrem regularmente transtornos muito marcantes e profundos<br />

na vida afetiva <strong>de</strong> nossos doentes. O início da doença é<br />

constituído por alterações afetivas extremamente freqüentes <strong>de</strong><br />

tristeza e ansieda<strong>de</strong>, às vezes com intensa agitação. Algo mais raros<br />

são estados <strong>de</strong> animado divertimento com constantes risos<br />

exuberantes. No entanto, muito mais importante do que esses estados<br />

passageiros é o embotamento afetivo, que se manifesta sem<br />

exceção em maior ou menor grau e que representa uma das características<br />

essenciais do processo <strong>de</strong> doença. Já a falta <strong>de</strong> interesse<br />

para com o meio, acima referida, po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada<br />

como manifestação parcial <strong>de</strong>ste transtorno geral, uma vez que os<br />

motivos internos para a intensida<strong>de</strong> da atenção são fornecidos<br />

precisamente pelas emoções. A peculiar indiferença dos doentes<br />

ante suas relações outrora calorosas, a extinção da simpatia para<br />

com parentes e amigos, da satisfação com ativida<strong>de</strong>s e trabalho,<br />

com diversão e prazeres, é não raro o primeiro e mais marcante<br />

sinal do mal que irrompe. Os doentes, mesmo quando <strong>de</strong> certa<br />

forma os movimentos expressivos ainda são intensos, não sentem<br />

nenhuma alegria <strong>de</strong> fato e nenhuma tristeza mais, não nutrem <strong>de</strong>sejos<br />

nem receios, senão que vivem apáticos ao longo do dia, ora<br />

embotados e ensimesmados, ora em hilarida<strong>de</strong> supérflua. Mesmo<br />

ante mal-estar corporal parece, muitas vezes, terem-se tornado insensíveis,<br />

toleram posições <strong>de</strong>sconfortáveis, agulhadas e feridas<br />

sem se importarem muito com isso. Muitas vezes, no entanto, a<br />

alimentação é mantida por muito tempo como uma especial atração.<br />

Observa-se os doentes receberem seus parentes sem cumprimentos<br />

ou outro sinal <strong>de</strong> estímulo agradável, mas revistam apressadamente<br />

suas bolsas e cestas a procura <strong>de</strong> alimentos, que costumam<br />

abocanhar prontamente até o último resto. Também nos estados<br />

finais da doença a total indiferença ante todos os fenômenos<br />

do meio é uma característica fundamental do quadro clínico.<br />

Aqui po<strong>de</strong> muito bem, sob certas circunstâncias, associar-se uma<br />

certa irritabilida<strong>de</strong>, que no mais das vezes se manifesta apenas esporadicamente<br />

e mais raramente permanece duradoura.<br />

Passo a passo com esse profundo transtorno da vida afetiva<br />

caminham as propagadas e variadas manifestações doentias no<br />

campo do comportamento e ação, que mais conferem a todo o<br />

quadro clínico sua peculiar característica. O fundamento geral<br />

parece ser sobretudo uma redução da vonta<strong>de</strong>, como se apresenta<br />

particularmente na abulia dos estados finais, mas que frequentemente<br />

se manifesta com clareza já <strong>de</strong> início. Os doentes per<strong>de</strong>m<br />

cada impulso próprio para a ação e a ativida<strong>de</strong>, sentam-se ociosos<br />

a esmo, <strong>de</strong>scuidam <strong>de</strong> suas obrigações, muito embora talvez ainda<br />

estejam em condições <strong>de</strong> se ocuparem <strong>de</strong> estímulos externos<br />

<strong>de</strong> modo mais or<strong>de</strong>nado. Ao lado <strong>de</strong>ssa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

autônoma po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se duradoura ou passageiramente<br />

um impulso mais ou menos intenso para o movimento, que sob<br />

certas circunstâncias aumenta até o mais tempestuoso frenesi.<br />

Mas também aqui não lidamos, como abordado anteriormente,<br />

com um aumento da vonta<strong>de</strong>, senão que apenas com uma excitação<br />

motora; os movimentos não visam a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

objetivos, senão que constituem a expressão <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada <strong>de</strong><br />

tensão interna.<br />

No entanto, associa-se a essa excitação, via <strong>de</strong> regra, também<br />

uma facilitada transformação <strong>de</strong> impulsos <strong>de</strong> movimento em ação.<br />

Observamos nossos doentes em repentinos acometimentos <strong>de</strong>stroçar<br />

vidros, colocar as pernas através da gra<strong>de</strong> da janela, <strong>de</strong>rrubar<br />

mesas e ca<strong>de</strong>iras, machucar-se, fazer sérias tentativas <strong>de</strong> suicídio.<br />

Todas essas ações absurdas costumam ser executadas repentinamente<br />

como um raio e com gran<strong>de</strong> violência, assim que emerge o<br />

impulso para tanto. Faltam aos doentes nessas circunstâncias razões<br />

compreensíveis para o movimento, agem impulsivamente<br />

sem dar conta da finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus atos, mesmo se, por vezes,<br />

procuram ainda justificá-los posteriormente através <strong>de</strong> reflexões.<br />

Essa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprimir impulsos emergentes não se encontra,<br />

porém, apenas na excitação, senão que freqüentemente<br />

também no estupor da <strong>de</strong>mentia praecox. Este é dominado, em geral,<br />

pela manifestação do bloqueio da vonta<strong>de</strong>; cada impulso é, <strong>de</strong><br />

início, apagado através <strong>de</strong> outro ainda mais forte em sentido contrário.<br />

Desse modo surge o sintoma doentio do negativismo, que<br />

encontramos aqui com infindável frequência nas mais diversas<br />

formas. Aqui pertencem a inflexível oposição contra cada mudan-<br />

Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):59-67 61

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!