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Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

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mãos, relacionando-se melhor apenas com uma irmã que resi<strong>de</strong><br />

em Belo Horizonte. Não conversa com seu pai, segundo ele, porque<br />

este agri<strong>de</strong> sua mãe. Até os 15 anos, havia repetido apenas<br />

uma vez o ano letivo, na terceira série. Nunca manteve relações<br />

sexuais, relatando apenas quatro envolvimentos amorosos fugazes<br />

com meninas.<br />

História familiar<br />

Prima com <strong>de</strong>pressão.<br />

Exame do estado mental<br />

Paciente com boas condições <strong>de</strong> higiene, com um boné<br />

na cabeça, emagrecido, pálido, semblante inexpressivo.<br />

Cooperativo, relata seus sintomas com algum constrangimento,<br />

<strong>de</strong>monstrando estranheza em relação a eles, embora evi<strong>de</strong>ncie<br />

certa indiferença afetiva. Relata pensamentos invasivos e recorrentes,<br />

além <strong>de</strong> uma voz que “vem à sua mente”, que, apesar <strong>de</strong><br />

ser a voz <strong>de</strong> sua mãe, reconhece como “produto <strong>de</strong> sua mente”;<br />

consi<strong>de</strong>ra os pensamentos como irracionais, porém, sob sua influência,<br />

apresenta compulsões mentais e motoras.<br />

Súmula psicopatológica<br />

Paciente emagrecido, cooperativo, orientado no tempo e espaço,<br />

consciência clara, normovigil, normotenaz, memória preservada,<br />

relato <strong>de</strong> pensamentos <strong>de</strong> cunho obsessivo, eutímico, crítica<br />

presente, inteligência compatível com seu grau <strong>de</strong> instrução.<br />

Evolução do caso<br />

Foi instituído tratamento com clorimipramina, até 225 mg/dia,<br />

sem melhora clínica, porém com uso irregular da medicação. Reduzida<br />

a clorimipramina para 150 mg/d e instituído flufenazina,<br />

até 4 mg/dia. Evoluiu, inicialmente, com melhora das compulsões<br />

motoras e do convívio social, passando menos tempo em frente<br />

ao espelho. Relatou melhora na alimentação, apesar <strong>de</strong> não comer<br />

carne e nem arroz porque, quando o fazia, “vinha a voz à sua<br />

mente”: “o N vai ter câncer no nariz”. Em cinco meses <strong>de</strong> tratamento,<br />

apresentou piora clínica, relatando um novo sintoma:<br />

quando olhava para algo que tivesse ângulos, como a letra M, tinha<br />

que contar todos os ângulos do objeto “9 x 9 vezes”, o que lhe<br />

consumia bastante tempo. Efetuado aumento da clorimipramina<br />

para 225 mg/dia, mantida a flufenazina a 4 mg/d. Paciente nega<br />

melhora clínica, usando regularmente a medicação, e relata novos<br />

sintomas; ao ver um toco <strong>de</strong> cigarro no chão, precisa pisá-lo e raspá-lo<br />

para trás e para frente várias vezes; ao passar por uma porta,<br />

precisa retornar e passar novamente por 12 a 18 vezes, sempre<br />

sob a influência da “voz”. Relata que, às vezes, não necessita fazer<br />

os atos que a “voz” lhe or<strong>de</strong>na, po<strong>de</strong>ndo “ficar <strong>de</strong>vendo”.<br />

Outras vezes, a “voz” lhe diz: “você po<strong>de</strong> não passar pela porta<br />

12 a 18 vezes, mas não irá se masturbar”; ou “não irá ter relações<br />

sexuais este ano”. Retirados a flufenazina e anafranil, instituído<br />

haloperidol e paroxetina, o qual foi suspenso em dois meses por<br />

baixa tolerabilida<strong>de</strong> e dificulda<strong>de</strong>s em comprar a medicação. Efe-<br />

tuado aumento do haloperidol até 12,5 mg/dia, com melhora parcial<br />

significativa da “voz” e dos atos compulsivos.<br />

Relatando que o haldol lhe causava <strong>de</strong>sânimo, paciente suspen<strong>de</strong><br />

a medicação. Retorna após dois meses com piora significativa;<br />

não tem tomado banho ou escovado os <strong>de</strong>ntes, estando com<br />

mau cheiro, irritado, não conversa com os parentes, não se alimenta<br />

<strong>de</strong> carne ou arroz. Tem “ouvido” constantemente a “voz”,<br />

sempre <strong>de</strong> sua mãe, dizendo : “você é canceroso”, ou “você vai<br />

ter câncer no nariz”, tendo que repeti-las <strong>de</strong> trás para frente por<br />

várias vezes. Relata, ocasionalmente, movimentos circulares estereotipados<br />

involuntários <strong>de</strong> seus braços, “causados por sua mente”,<br />

os quais ele tem que repetir ao contrário. Não usa o banheiro<br />

<strong>de</strong> sua casa há três meses, pois quando o usa “vem a voz à sua<br />

mente”, tendo usado o banheiro da casa da irmã. Instituído fluoxetina,<br />

20 mg/d, por um mês, sem melhora clínica. Suspensa a<br />

fluoxetina, instituída clorimipramina, aumentada até 250 mg/dia,<br />

associada a trifluorperazina, aumentada até 12,5 mg/dia. Paciente<br />

evoluiu com melhora clínica importante, passando a tomar banho<br />

e escovar os <strong>de</strong>ntes diariamente, alimentar-se <strong>de</strong> carne e arroz,<br />

mais comunicativo e sociável, passando a exercer ativida<strong>de</strong><br />

produtiva, trabalhando na mercearia <strong>de</strong> um primo. N, porém,<br />

sempre mantinha os pensamentos intrusivos sob a forma da<br />

“voz” <strong>de</strong> sua mãe e as compulsões mentais.<br />

Ocorreram pioras clínicas quando o paciente envolveu-se em<br />

complicações com a polícia após seu primo furtar um <strong>de</strong>sodorante<br />

<strong>de</strong> um supermercado e terem-se envolvido em litígio com o<br />

funcionário do caixa, foi quando o paciente, por “esquecimento”,<br />

reduziu a dose da trifluorperazina para 5 mg/dia. Nessa ocasião,<br />

<strong>de</strong>senvolveu um novo sintoma: sempre que ouvia a “voz”, o paciente<br />

tinha que cuspir, não importando on<strong>de</strong> estivesse. Algumas<br />

vezes cuspia no chão <strong>de</strong> casa ou na própria roupa. Parou <strong>de</strong> escovar<br />

os <strong>de</strong>ntes; sempre que o fazia, “surgia na sua mente” a voz da<br />

mãe dizendo: “o N está com caroço maligno <strong>de</strong>baixo do braço”<br />

(isso passou a ocorrer <strong>de</strong>pois que o paciente teve uma linfa<strong>de</strong>nomegalia<br />

na axila direita). Tinha então que repetir a palavra “maligno”<br />

ao contrário: “noglima”. Enquanto isso, não podia parar<br />

<strong>de</strong> escovar os <strong>de</strong>ntes, o que lhe tomava cerca <strong>de</strong> 10 minutos <strong>de</strong> escovação.<br />

Para evitar o trabalho, não os escovava. Quando, passando<br />

por algum lugar, “ouvia a voz”, tinha que ficar <strong>de</strong>senhando<br />

“setas” com o pé no chão, em direção contrária ao lugar.<br />

Como o uso da trifluorperazina, em doses <strong>de</strong> 12,5 mg/dia,<br />

não resultou em melhora da “voz” e das compulsões mentais,<br />

apesar <strong>de</strong> melhora comportamental, optou-se pela sua<br />

substituição por risperidona, 3 mg/dia, associada à clorimipramina,<br />

225 mg/dia. Retornou em 35 dias com melhora significativa<br />

do comportamento e cessaram as compulsões mentais; quando<br />

“ouvia a voz” não tinha mais que repetir compulsivamente palavras<br />

ao contrário, mas “somente” que andar para trás e cuspir no<br />

chão, o que, segundo o paciente, vinha atrapalhando sua locomoção<br />

(não observado ao exame).<br />

Aumentada a risperidona para 4 mg/dia. Retornou após 35<br />

dias relatando redução das “vozes” e das compulsões mentais,<br />

sem transtornos da alimentação ou higiene. Porém, com uso apenas<br />

<strong>de</strong> clorimipramina nos últimos 15 dias. Recomendamos que<br />

reiniciasse a risperidona. Retornou dois meses após, em janeiro<br />

<strong>de</strong> 1999. Por motivos financeiros havia interrompido a risperidona<br />

um mês antes e vinha em uso irregular da clorimipramina. Re-<br />

Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):36-39 37

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