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Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

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Demência precoce na sext edição <strong>de</strong> Kraepelin em 1899<br />

A simples consi<strong>de</strong>ração das impressões externas não costuma<br />

transparecer na <strong>de</strong>mentia praecox um acometimento por dano grave.<br />

Os doentes percebem muito bem, em geral, o que ocorre em<br />

torno <strong>de</strong>les, freqüentemente muito melhor do que se po<strong>de</strong>ria esperar<br />

ante seus comportamentos. É surpreen<strong>de</strong>nte que doentes<br />

com aparência <strong>de</strong> total embotamento tenham apreendido corretamente<br />

todos os possíveis pormenores do seu ambiente; <strong>de</strong> repente<br />

conhecem os nomes <strong>de</strong> seus companheiros e observam mudanças<br />

no traje do médico. Em virtu<strong>de</strong> disso, no mais das vezes a<br />

orientação também está intacta. Sabem, via <strong>de</strong> regra, on<strong>de</strong> se encontram,<br />

reconhecem as pessoas, possuem clareza quanto à noção<br />

<strong>de</strong> tempo. Apenas em estupor e em impetuosos estados ansiosos<br />

po<strong>de</strong> a orientação encontrar-se <strong>de</strong> vez em quando mais fortemente<br />

perturbada, mas é francamente característico que os doentes<br />

permaneçam plenamente lúcidos apesar da mais forte inquietação.<br />

Por outro lado, todavia, a orientação é prejudicada não raramente<br />

por <strong>de</strong>lírios. Os doentes indicam falsamente locais e pessoas ou dizem<br />

uma data errada, não <strong>de</strong>vido a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r e<br />

<strong>de</strong> refletir corretamente, senão porque suas idéias <strong>de</strong>lirantes são<br />

mais po<strong>de</strong>rosas do que os pontos <strong>de</strong> referência fornecidos pela<br />

percepção. Decerto, não é sempre possível ter clareza sobre essa<br />

situação, porque muitas vezes os doentes não prestam nenhuma<br />

informação ou o fazem <strong>de</strong> forma propositadamente falsa.<br />

Os sentidos em nossos pacientes estão acometidos com muita<br />

frequência por graves transtornos, surgindo falsas percepções. Especialmente<br />

na evolução aguda ou subaguda da doença elas quase<br />

nunca faltam. Aqui e ali acompanham toda a evolução da doença;<br />

usualmente diminuem gradualmente mais tar<strong>de</strong>, para então<br />

nos estados finais se apresentarem somente <strong>de</strong> vez em quando<br />

com alguma força. No mais das vezes são falseamentos auditivos,<br />

a seguir falseamentos visuais e das sensações, a percepção <strong>de</strong> correntes<br />

elétricas, toques ou influências. No início da doença os falseamentos<br />

costumam possuir conteúdo <strong>de</strong>sagradável e os doentes<br />

encontrar-se intensamente inquietos. Mais tar<strong>de</strong>, no mais das vezes,<br />

tornam-se impassíveis, se excluirmos os estados passageiros<br />

<strong>de</strong> agitação. Alguns doentes contemplam os falseamentos como<br />

produções artísticas, como um tipo <strong>de</strong> teatro que lhes é encenado,<br />

divertem-se também com isso. Mas outros não tomam qualquer<br />

conhecimento da situação e somente ante questionamento insistente<br />

prestam alguma informação esparsa sobre o conteúdo <strong>de</strong><br />

seus falseamentos. No mais das vezes essa informação é totalmente<br />

insensata e incoerente. Assim ouvia um doente, no mais, plenamente<br />

sereno e or<strong>de</strong>nado, frases duradouras como as seguintes,<br />

que mostram claramente a manifestação da rigi<strong>de</strong>z da i<strong>de</strong>ação:<br />

“Pois nós mesmos po<strong>de</strong>mos sempre esperar que <strong>de</strong>vemos nos<br />

<strong>de</strong>ixar pagar outros pensamentos. Pois nós mesmos queremos<br />

querer sabê-lo, quem conosco <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>ixar a porca cabeça<br />

atormentar loucamente até a morte. Não, nós mesmos<br />

não somos mais tão tolos e não ligamos sempre para isso, se<br />

<strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>ixar diminuir a bebe<strong>de</strong>ira. Porque nós fazemos<br />

loucamente mesmo e a nós mesmos <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>ixar enganar<br />

porca e tolamente.”<br />

A consciência do doente está em muitos casos plena e duradouramente<br />

clara. Apenas em estados <strong>de</strong> agitação e <strong>de</strong> estupor ela<br />

chega, em parte, à turvação, muito embora esta seja, no mais das<br />

60 Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):59-67<br />

vezes, menos acentuada do que parece à primeira vista. Graves<br />

transtornos apresenta regularmente, pelo contrário, a atenção.<br />

Ainda que freqüentemente se po<strong>de</strong> fazer com que o doente preste<br />

atenção, persiste não raro gran<strong>de</strong> distraimento, que torna impossível<br />

uma duradoura insistência num mesmo objeto. Sobretudo<br />

falta ao doente, quase sempre, o interesse, a tendência <strong>de</strong> dirigir<br />

sua atenção aos fenômenos em seu meio a partir <strong>de</strong> impulsos<br />

internos próprios. Muito embora percebam corretamente o que<br />

se passa em torno <strong>de</strong>les, não se atentam ao ocorrido, procuram<br />

não apreendê-lo e compreendê-lo. Em estupor profundo ou em<br />

avançada imbecilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ainda tornar-se totalmente impossível<br />

estimular <strong>de</strong> qualquer modo a atenção do doente. Contrariamente,<br />

vez por outra se observa durante o <strong>de</strong>saparecimento do<br />

estupor o surgimento <strong>de</strong> uma certa curiosida<strong>de</strong> nos doentes; eles<br />

observam furtivos o que se passa no quarto, acompanham o médico<br />

à distância, vêem através das portas abertas, mas se viram<br />

quando chamados ou olham no vazio quando se quer mostrarlhes<br />

algo. Aparentemente, aqui a atenção que ressurge é mantida<br />

oclusa através do negativismo.<br />

A memória dos doentes está relativamente pouco perturbada.<br />

São capazes <strong>de</strong> informar corretamente, quando querem, sobre<br />

seus passados, sabem freqüentemente com precisão <strong>de</strong> dias há<br />

quanto tempo estão no sanatório. Preservam às vezes seus conhecimentos<br />

adquiridos na escola com surpreen<strong>de</strong>nte resistência, até<br />

o período do mais profundo embotamento mental. Lembro-me<br />

<strong>de</strong> um parvo moço camponês que diante do mapa era capaz <strong>de</strong><br />

apontar sem hesitação qualquer cida<strong>de</strong>; um outro impressionava<br />

por seus conhecimentos históricos; ainda outros resolvem com facilida<strong>de</strong><br />

difíceis cálculos matemáticos. Também a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fixar está geralmente bem preservada. No entanto, verifica-se<br />

após severo estupor, não raramente, que os doentes não <strong>de</strong>têm<br />

praticamente nenhuma ou apenas obscura lembrança dos fenômenos<br />

durante longos períodos <strong>de</strong> tempo; mas, por outro lado,<br />

mesmo doentes totalmente alheios conseguem, no mais das vezes<br />

facilmente, gravar números ou nomes que, então, dias e semanas<br />

<strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>m evocar corretamente. Decerto, respostas errôneas<br />

são freqüentemente fornecidas, antes <strong>de</strong> tudo <strong>de</strong>vido ao negativismo,<br />

até que se torna claro, ante investigação mais profunda,<br />

que o doente tinha gravado muito bem a tarefa.<br />

O pensamento dos doentes costuma estar sempre, mais cedo<br />

ou mais tar<strong>de</strong>, sensivelmente acometido. Mesmo se <strong>de</strong>ixarmos <strong>de</strong><br />

lado a confusão dos estados <strong>de</strong> agitação e o estupor, no qual não<br />

po<strong>de</strong>mos acessar os processos internos, ocorre via <strong>de</strong> regra mais<br />

e mais uma certa <strong>de</strong>sagregação do pensamento, como <strong>de</strong>screvemos<br />

antes pormenorizadamente. Em casos mais leves, esta se<br />

mostra, talvez, apenas na maior distratibilida<strong>de</strong> e inconstância, no<br />

repentino passar <strong>de</strong> um objeto a outro, no entrelaçar <strong>de</strong> modos <strong>de</strong><br />

fala superficiais com pensamentos tangenciais; em transtornos<br />

mais graves, no entanto, <strong>de</strong>senvolve-se não raramente a confusão<br />

da linguagem com sua plena perda <strong>de</strong> conexão e seus neologismos.<br />

Decerto <strong>de</strong>ve aqui ser reconhecido que o pensamento propriamente<br />

está possivelmente muito menos perturbado do que as<br />

aparências indicam, já que em certas circunstâncias os doentes<br />

não apenas apreen<strong>de</strong>m bem, como também <strong>de</strong>senvolvem o<br />

apreendido e po<strong>de</strong>m <strong>de</strong> certo modo comportar-se <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada.<br />

De resto, nos pensamentos dos doentes quase sempre nos<br />

<strong>de</strong>paramos com os sinais <strong>de</strong> estereotipia, <strong>de</strong> retenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi-

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