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Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG

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“Noglima”: TOC resistente com resposta a adição <strong>de</strong> risperidona<br />

latava uma piora importante; tudo o que falava tinha que repetir<br />

mentalmente ao contrário; quando lia algo, tinha que ler <strong>de</strong> novo<br />

ao contrário. Não obstante, negava pela primeira vez estar sendo<br />

importunado pelas “vozes”.<br />

Resultados <strong>de</strong> exames<br />

Tomografia computadorizada <strong>de</strong> crânio, EEG, ECG, hemograma:<br />

sem alterações.<br />

Hipótese diagnóstica<br />

Transtorno obsessivo-compulsivo, forma mista com idéias obsessivas<br />

e atos compulsivos. CID-10: F42.2.<br />

Discussão<br />

Segundo Gebsattel, a luci<strong>de</strong>z com que o obsessivo-compulsivo<br />

conhece seu transtorno sem, no entanto, chegar a dominá-lo,<br />

torna patente o paradoxo <strong>de</strong> sua existência e aumenta a inquietu<strong>de</strong><br />

do interesse psiquiátrico. O doente obsessivo, segundo Jaspers,1<br />

é perseguido por idéias que lhe parecem não só estranhas,<br />

mas insensatas, e das quais, no entanto, não po<strong>de</strong> livrar-se, como<br />

se correspon<strong>de</strong>ssem à verda<strong>de</strong>. Estabelece forma especial <strong>de</strong> relação<br />

mágica com o mundo, como se o que ele faz ou pensa pu<strong>de</strong>sse<br />

impedir ou provocar algum acontecimento. Elabora, então,<br />

seus pensamentos <strong>de</strong> modo a formar um sistema <strong>de</strong> significados,<br />

e seus atos, um sistema <strong>de</strong> cerimônias e ritos, apesar <strong>de</strong> que qualquer<br />

ação que pratique lhe <strong>de</strong>ixa dúvida, obrigando-o a recomeçar<br />

do princípio. A manie <strong>de</strong> précision e a folie <strong>de</strong> doute do anancástico<br />

levaria a um transtorno, segundo Gebsattel,2 na sua própria<br />

estrutura <strong>de</strong> tempo, a uma inibição no “chegar a ser” do paciente,<br />

impossibilitado <strong>de</strong> concretizar os projetos a que se propõe.<br />

Von Gebsattel2 compara o mundo do anancástico com o do<br />

paranóico; ambos vivem em um mundo privado <strong>de</strong> inocuida<strong>de</strong>,<br />

no qual acontecimentos sem importância adquirem peculiares<br />

significados. Não existem casualida<strong>de</strong>s sem importância, mas somente<br />

intenções. O doente obsessivo, porém, reconhece como<br />

absurdo esse mundo falso que <strong>de</strong>termina sua conduta e, portanto,<br />

experimenta seu comportamento como forçado e sem liberda<strong>de</strong>.<br />

O paranóico, pelo contrário, se <strong>de</strong>ixa levar naturalmente por<br />

seus conteúdos <strong>de</strong>lirantes.<br />

Por outro lado, Souza* propõe que uma visão antropológica<br />

po<strong>de</strong>ria permitir uma melhor compreensão do adoecer psíquico<br />

e impedir seu distanciamento das formas legítimas <strong>de</strong> expressão<br />

simbólica humana. Sabe-se que em alguns povos primitivos, o temor<br />

a uma “invocação dos mortos” levava-os a evitar toda e qualquer<br />

menção ao nome do <strong>de</strong>funto, inclusive palavras ou sílabas<br />

on<strong>de</strong> houvesse alguma assonância com o nome do morto. Uma<br />

criança recém-nascida, um cadáver ou guerreiro que tivesse matado<br />

inimigos tornavam-se objetos-tabu, não po<strong>de</strong>ndo ser vistos<br />

ou tocados até que fossem concluídos os rituais <strong>de</strong> purificação,<br />

sob pena <strong>de</strong> que terríveis castigos sobrenaturais se abateriam so-<br />

* Souza, GFJ. "Consi<strong>de</strong>rações Gerais Sobre as Neuroses: Uma Visão<br />

Fenomenológico-Dinâmica" (ensaio inédito) Belo Horizonte, 1988.<br />

38 Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):36-39<br />

bre um ocasional infrator, ou mesmo sobre a tribo inteira. Desse<br />

modo, o homem primitivo via-se diante <strong>de</strong> um mundo povoado<br />

<strong>de</strong> perigos e ameaças sobrenaturais que lhe exigiam uma imediata<br />

e eficaz auto-proteção, a qual, por sua vez, consistia na realização<br />

incessante e or<strong>de</strong>nada <strong>de</strong> rituais mágicos minuciosos e complexos.<br />

Insel e Akiskal3 sugerem que a tradição <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar a síndrome<br />

obsessivo-compulsiva como “neurótica” tem levado a uma<br />

subvalorização <strong>de</strong> aspectos da síndrome que mais parecem psicóticos.<br />

Algumas das primeiras <strong>de</strong>scrições estabelecem conexões intrínsecas<br />

entre esses sintomas e estados psicóticos. Em 1660, Jeremy<br />

Taylor <strong>de</strong>screveu um paciente cujos pensamentos intrusivos<br />

ego-distônicos sobre ter pecado “evoluíram” para uma crença <strong>de</strong>lirante<br />

<strong>de</strong> que realmente havia pecado, e que a sua escrupulosida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> consciência era uma punição. Westphal dizia que a obsessão,<br />

por seu conteúdo irracional, representava uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m<br />

fundamental do pensamento, e chamava a síndrome obsessivacompulsiva<br />

<strong>de</strong> abortive insanity. Bleuler concordava com Westphal<br />

que a síndrome obsessivo-compulsiva seria uma variante ou<br />

um pródromo da esquizofrenia. Superficialmente, ambas compartilham<br />

alguns aspectos clínicos; ocorrem em ida<strong>de</strong> precoce,<br />

são crônicas, não remitem e envolvem pensamentos intrusivos e<br />

comportamento bizarro.3<br />

Rosen,4 em um estudo <strong>de</strong> revisão <strong>de</strong> 848 pacientes esquizofrênicos,<br />

mostrou que 3,5% tinham sintomas obsessivos importantes.<br />

Estudos <strong>de</strong> follow-up <strong>de</strong> pacientes com transtorno obsessivocompulsivo<br />

mostraram que 20% <strong>de</strong>senvolveram sintomas psicóticos,<br />

apesar <strong>de</strong> ser extremamente raro o preenchimento <strong>de</strong> critérios<br />

diagnósticos para esquizofrenia. Insel e Akiskal3 relatam que<br />

a mudança <strong>de</strong> uma obsessão para um <strong>de</strong>lírio ocorre quando a resistência<br />

interna contra as idéias obsessivas é abandonada e o insight<br />

é perdido. Isso po<strong>de</strong>ria ocorrer <strong>de</strong> duas formas; uma forma<br />

afetiva, quando o medo <strong>de</strong> contaminação é substituído por uma<br />

culpa <strong>de</strong>lirante <strong>de</strong> que o paciente contaminou ou po<strong>de</strong> contaminar<br />

outras pessoas, e uma forma paranói<strong>de</strong>, quando dúvidas sobre<br />

haver cometido algum ato repreensível são substituídas pelo <strong>de</strong>lírio<br />

<strong>de</strong> que o paciente estaria sendo perseguido por realmente haver<br />

cometido atos con<strong>de</strong>náveis. Em alguns pacientes os pensamentos<br />

repugnantes po<strong>de</strong>m ter um caráter tão intrusivo que são<br />

<strong>de</strong>scritos como vozes acusatórias internas, repetitivas e semelhantes<br />

ao pensamento obsessivo, po<strong>de</strong>ndo ser melhor <strong>de</strong>scritas, segundo<br />

Insel e Akiskal,3 como “pseudo-alucinações”. Esses mesmos<br />

autores esclarecem que, assim como ocorre nos transtornos<br />

<strong>de</strong> humor, sintomas psicóticos po<strong>de</strong>m sobrevir durante um transtorno<br />

obsessivo-compulsivo, não significando diagnóstico <strong>de</strong> esquizofrenia,<br />

mas psicoses afetivas ou paranói<strong>de</strong>s reativas e geralmente<br />

transitórias. Além disso, o transtorno obsessivo-compulsivo<br />

representaria um espectro variando segundo o insight do paciente.<br />

Aqueles casos mais severos, no fim do espectro, po<strong>de</strong>riam<br />

ser melhor <strong>de</strong>scritos como “psicose obsessivo-compulsiva”.3<br />

Lembramos que Hollan<strong>de</strong>r5 sustenta amplo “espectro obsessivocompulsivo”<br />

que abrange vários outros transtornos, nos quais<br />

pensamentos obsessivos e rituais compulsivos se manifestam.<br />

Cerca <strong>de</strong> 40% dos pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo,<br />

são resistentes ao tratamento convencional com inibidores<br />

<strong>de</strong> recaptação da serotonina. A terapia comportamental tem<br />

papel adjuvante importante no tratamento, principalmente em

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