Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG
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Rodrigo Machado Vieira *<br />
Diogo Rizzato Lara **<br />
Diogo Souza ***<br />
Flávio Kapczinski ****<br />
Resumo<br />
TRATAMENTO COM ALOPURINOL EM PACIENTE HIPERURICÊMICO COM<br />
MANIA REFRATÁRIA: RELATO DE CASO E HIPÓTESE PURINÉRGICA<br />
ALLOPURINOL TREATMENT FOR REFRACTORY MANIA IN HYPERURICEMIC PATIENT: A<br />
CASE REPORT AND PURINERGIC HYPOTHESIS<br />
O tratamento farmacológico do transtorno <strong>de</strong> humor bipolar tem<br />
avançado significativamente com o surgimento <strong>de</strong> novas medicações<br />
com efeito estabilizador do humor. Casos refratários aos tratamentos<br />
disponíveis ainda representam um <strong>de</strong>safio à psicofarmacologia<br />
atual. Os autores <strong>de</strong>screvem um caso com uso <strong>de</strong> alopurinol, um<br />
agente hipouricêmico e com efeito anticonvulsivante, em homem<br />
com 43 anos. Este apresentava o primeiro episódio maníaco e mostrava-se<br />
refratário aos tratamentos convencionais administrados.<br />
Estava em uso <strong>de</strong> carbonato <strong>de</strong> lítio 900 mg/dia, ácido valpróico<br />
1.750 mg/dia, haloperidol 10 mg/dia e risperidona 4 mg/dia. O paciente<br />
foi avaliado <strong>de</strong> duas semanas antes do uso <strong>de</strong> alopurinol até<br />
duas semanas após. O uso <strong>de</strong> alopurinol trouxe rápida diminuição da<br />
insônia e levou ao <strong>de</strong>saparecimento dos sintomas maníacos. Nenhum<br />
efeito colateral adicional foi i<strong>de</strong>ntificado. Relatam a melhora<br />
dos sintomas com uso <strong>de</strong> alopurinol na dose <strong>de</strong> 300 mg/dia, <strong>de</strong><br />
acordo com diminuição dos valores na Escala <strong>de</strong> Young para Mania<br />
em 68% após duas semanas <strong>de</strong> seu uso. Os autores concluem que<br />
o alopurinol possa ser eficaz em episódios maníacos refratários, necessitando<br />
outros estudos para reavaliar esta questão. Além disso,<br />
abordam uma possível hipótese purinérgica para essa patologia a<br />
partir da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>ste caso.<br />
Palavras-chave: Alopurinol; Transtorno Bipolar; Mania;<br />
Hiperuricemia; Estabilizadores <strong>de</strong> Humor; Antipsicóticos<br />
O tratamento do transtorno <strong>de</strong> humor bipolar (THB) tem<br />
avançado significativamente nas últimas décadas com a introdução<br />
do lítio, neurolépticos, carbamazepina, ácido valpróico e outros<br />
agentes. Entretanto, uma proporção <strong>de</strong> pacientes com THB<br />
não respon<strong>de</strong>m a esses fármacos. De acordo com Harrow et al,1<br />
pelo menos 30% dos pacientes em fase maníaca não respon<strong>de</strong>m<br />
ao uso do lítio, po<strong>de</strong>ndo apresentar melhora com o uso <strong>de</strong> carbamazepina<br />
e ácido valpróico. Mesmo assim, 10% a 20% <strong>de</strong>stes<br />
* Médico Psiquiatra. Mestrando em Bioquímica pela UFRGS.<br />
** Doutorando em Bioquímica pela UFRGS.<br />
*** Doutor. Professor do Instituto <strong>de</strong> Bioquímica da UFRGS.<br />
**** Doutor em Farmacologia pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londres.<br />
Professor Adjunto pelo Departamento <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> da UFRGS.<br />
pacientes ainda permanecem refratários aos tratamentos convencionais.<br />
Várias outras medicações anticonvulsivantes têm sido usadas<br />
como estabilizadores do humor. Medicações anticonvulsivantes<br />
têm recebido atenção da literatura psiquiátrica como tratamentos<br />
eficazes para transtorno bipolar, tanto em monoterapia ou como<br />
tratamento adjuntivo. Além da carbamazepina e do ácido valpróico,<br />
medicações como gabapentina e lamotrigina surgem inseridas<br />
nesse perfil. Muitos <strong>de</strong>sses psicofármacos, previamente à confirmação<br />
<strong>de</strong> seu potencial terapêutico para uso como estabilizadores<br />
do humor, <strong>de</strong>monstraram eficácia em epilepsias refratárias. A<br />
gabapentina inclui-se <strong>de</strong>ntre os mais recentes,2 bem como a lamotrigina.3<br />
Alopurinol, fármaco com ativida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>nosinérgica, inibe a<br />
xantina-oxidase, enzima responsável pela produção <strong>de</strong> ácido úrico,<br />
sendo utilizado como agente hipouricêmico. Tem também <strong>de</strong>monstrado<br />
efeito anticonvulsivante em pacientes refratários aos<br />
tratamentos convencionais.4,5 Apresentamos aqui o caso <strong>de</strong> um<br />
paciente hiperuricêmico em primeiro episódio maníaco, com predominância<br />
<strong>de</strong> sintomas eufóricos e insônia, que apresentou remissão<br />
<strong>de</strong> sintomas maníacos com o uso <strong>de</strong> alopurinol, após inúmeras<br />
tentativas sem resposta <strong>de</strong> manejo farmacológico com estabilizadores<br />
do humor e antipsicóticos tradicionais.<br />
Caso Clínico<br />
Paciente PV, 43 anos, sexo masculino, foi hospitalizado em<br />
unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> internação psiquiátrica, com história prévia <strong>de</strong> duas<br />
internações <strong>de</strong>vido a episódios <strong>de</strong>pressivos maiores. Ao iniciarem<br />
os sintomas, não estava em uso <strong>de</strong> nenhuma medicação.<br />
Sete dias antes <strong>de</strong>sta hospitalização apresentava-se insone, eufórico,<br />
em agitação psicomotora, com fuga <strong>de</strong> idéias, taquilálico,<br />
fazendo gastos excessivos, com risos imotivados, agressivo verbalmente<br />
quando contrariado, com <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za (planejava<br />
reformar todo o fórum municipal), além <strong>de</strong> idéias valorizadas <strong>de</strong><br />
cunho paranói<strong>de</strong>. O diagnóstico foi firmado com aplicação do<br />
check-list do CID-10. Naquela data iniciou o uso <strong>de</strong> carbonato <strong>de</strong><br />
lítio 900 mg/dia e haloperidol 10 mg/dia. Nenhum sintoma involuiu<br />
com esse tratamento, efetuando-se a hospitalização já previamente<br />
indicada. Foi associado o uso <strong>de</strong> ácido valpróico na dose<br />
inicial <strong>de</strong> 500 mg/dia, até a dose <strong>de</strong> 1.750 mg/dia durante o período<br />
<strong>de</strong> 12 dias, apresentando apenas leve melhora do quadro<br />
En<strong>de</strong>reço para correspondência:<br />
Dr. Flávio Kapczinski e Dr. Rodrigo Vieira<br />
Departamento <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> UFRGS - Hospital <strong>de</strong> Clínicas<br />
Rua Ramiro Barcelos 2350 - quarto andar<br />
Porto Alegre - RS<br />
Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):33-35 33