Psiquiatria - Faculdade de Medicina - UFMG
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SÍNDROME DE EKBOM EM IDOSA<br />
EKBOM’S SYNDROME IN AN AGED WOMAN<br />
Rodrigo Nicolato *<br />
Flávia Fernan<strong>de</strong>s Dias **<br />
Cíntia Fuzikawa **<br />
João Luís Pinto Coelho **<br />
Antônio Carlos Oliveira Corrêa ***<br />
Resumo<br />
Casos <strong>de</strong> síndrome <strong>de</strong> Ekbom ou <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação parasitária<br />
são raros, com prevalência <strong>de</strong>sconhecida. Geralmente, são acometidas<br />
mulheres idosas socialmente isoladas. A síndrome se caracteriza<br />
por forte convicção <strong>de</strong> infestação e gera muito <strong>de</strong>sconforto, levando,<br />
inclusive, a estratégias perigosas para erradicação dos parasitas,<br />
como o uso <strong>de</strong> pesticidas. Po<strong>de</strong> constituir-se numa das possíveis<br />
apresentações do transtorno <strong>de</strong>lirante somático, ou ser secundária a<br />
outros transtornos psiquiátricos, particularmente quadros orgânicos<br />
e <strong>de</strong>pressivos. Abuso <strong>de</strong> substâncias, doenças neurológicas, infecciosas<br />
(aids e sífilis) e endócrinas (diabetes e hipertireoidismo) po<strong>de</strong>m<br />
levar a esse <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação. O presente trabalho tem como objetivo<br />
<strong>de</strong>screver o caso <strong>de</strong> uma senhora <strong>de</strong> 70 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> com<br />
quadro <strong>de</strong> hipertireoidismo que precedia em dois anos a instalação<br />
da síndrome <strong>de</strong> Ekbom.<br />
Palavras-chave: Síndrome <strong>de</strong> Ekbom; Delírio <strong>de</strong> Infestação; <strong>Psiquiatria</strong><br />
Geriátrica; Hipertiroidismo<br />
Thibierge, <strong>de</strong>screve em 1894, o quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação<br />
parasitária, chamando-o <strong>de</strong> “acarofobia”.1 Posteriormente,<br />
em 1938, Ekbom <strong>de</strong>screve sete mulheres idosas ou <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong><br />
que possuíam uma convicção <strong>de</strong>lirante e persistente <strong>de</strong> terem a<br />
pele parasitada por vermes, caracterizando o quadro da síndrome<br />
<strong>de</strong> Ekbom.2 Essa síndrome recebe vários nomes: <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong>rmatozóico,<br />
<strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> <strong>de</strong>rmatozôos <strong>de</strong> Ekbom, <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> zoopatia externa,<br />
alucinações cutâneas e visuais da psicose alucinatória crônica,<br />
hipocondria circunscrita, <strong>de</strong>lírio cenestésico, obsessão alucinatória<br />
zoopática, alucinose tátil crônica, <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação,<br />
<strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> parasitose, psicose hipocondríaca monossintomática,<br />
<strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação parasitária.2<br />
Além <strong>de</strong> serem do sexo feminino e com ida<strong>de</strong> mais avançada,<br />
os pacientes típicos são isolados socialmente. Descrevem sintomas<br />
cutâneos como a primeira evidência <strong>de</strong> infestação. Geralmente,<br />
fazem uso <strong>de</strong> várias substâncias químicas para erradicar a<br />
* Ex-resi<strong>de</strong>nte da Residência <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> do Hospital das<br />
Clínicas da <strong>UFMG</strong>, mestrando em farmacologia no Instituto <strong>de</strong><br />
Ciências Biológicas da <strong>UFMG</strong>.<br />
** Ex-resi<strong>de</strong>nte da Residência <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> do Hosital das<br />
Clínicas da <strong>UFMG</strong>.<br />
*** Preceptor da Residência <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> do Hospital das Clínicas<br />
da <strong>UFMG</strong>.<br />
24 Casos Clin Psiquiat 1999; 1(1):24-26<br />
infestação, como lesivos pesticidas. Consultam vários médicos<br />
(sobretudo <strong>de</strong>rmatologistas) para i<strong>de</strong>ntificar os parasitas.1 Mesmo<br />
com evidências <strong>de</strong> que não existem vermes, os pacientes continuam<br />
peregrinando em busca <strong>de</strong> cura e, com a crença inabalável<br />
<strong>de</strong> estarem infestados, freqüentemente recusam avaliação psiquiátrica,<br />
quando chegam a ser encaminhados.<br />
Há muita discussão sobre a sintomatologia, à luz da psicopatologia<br />
fenomenológica. Muitas vezes, o <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação se<br />
sobrepõe a doenças <strong>de</strong>rmatológicas (com pruridos) e a parestesias,<br />
sendo que o quadro po<strong>de</strong> ser resultante <strong>de</strong> interpretações<br />
<strong>de</strong>lirantes <strong>de</strong> sensações físicas reais, ilusões ou alucinações táteis<br />
e cenestésicas.5 Conrad opina que não existem vivências <strong>de</strong>lirantes<br />
primárias verda<strong>de</strong>iras nesta síndrome, ocorrendo vivências<br />
<strong>de</strong>lirói<strong>de</strong>s compreensíveis <strong>de</strong>rivadas das alucinações táteis.3 Para<br />
Huber, o <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> infestação é um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>lírio. Consi<strong>de</strong>ra<br />
a alucinação elemento secundário ante uma vivência <strong>de</strong>lirante<br />
primária, apesar do paciente po<strong>de</strong>r apresentar dúvidas quanto à<br />
convicção da infestação, o que é contrário à noção clássica <strong>de</strong> <strong>de</strong>lírio<br />
primário.3 Essas opiniões divergentes espelham intermináveis<br />
disputas no campo da abordagem fenomenológica dos <strong>de</strong>lírios<br />
e alucinações.<br />
A prevalência da síndrome <strong>de</strong> Ekbom é <strong>de</strong>sconhecida. Sabese,<br />
porém, que atinge a faixa etária acima <strong>de</strong> 60 anos, aquela com<br />
maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar transtornos psiquiátricos secundários<br />
a condições médicas gerais. Logo, uma avaliação clínica,<br />
laboratorial e <strong>de</strong> neuroimagem é imprescindível.<br />
No tratamento po<strong>de</strong>m ser empregados antipsicóticos, associação<br />
<strong>de</strong> anti<strong>de</strong>pressivos e antipsicóticos, e anti<strong>de</strong>pressivos. O antipsicótico<br />
pimozida, um antagonista opiáceo e dopaminérgico<br />
seletivo, apresentaria resultados mais promissores, talvez relacionados<br />
ao antagonismo opiáceo e conseqüente diminuição das<br />
sensações pruriginosas dos pacientes.1 Entretanto, po<strong>de</strong> levar a<br />
discinesia tardia e a arritmias cardíacas, <strong>de</strong>ntre outras condições.<br />
O isolamento social também <strong>de</strong>ve ser combatido através <strong>de</strong> abordagem<br />
psicossocial.4,5<br />
Caso Clínico<br />
Trata-se <strong>de</strong> paciente <strong>de</strong> 70 anos, semi-analfabeta. Resi<strong>de</strong> sozinha.<br />
Sem história pregressa <strong>de</strong> transtornos psiquiátricos.<br />
A paciente, na companhia da filha, mostra encaminhamento<br />
<strong>de</strong> um clínico geral. Relata que há dois anos começou a observar<br />
proliferação <strong>de</strong> pequenos vermes oriundos <strong>de</strong> seu próprio couro<br />
cabeludo. Isso provocou a raspagem do cabelo em mais <strong>de</strong> uma<br />
En<strong>de</strong>reço para correspondência:<br />
Ambulatório <strong>de</strong> <strong>Psiquiatria</strong> Geriátrica<br />
Hospital das Clínicas da <strong>UFMG</strong><br />
Av. Professor Alfredo Balena 110<br />
30130-100 - Belo Horizonte - MG