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caderno 23 - História da Medicina

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OS MEDOS - As crianças e os medos<br />

Em tempos não muito recuados, as crianças<br />

eram submeti<strong>da</strong>s a uma aprendizagem sob o lema<br />

do não e do medo. A palavra que mais ouviam era o<br />

não, como forma de negativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s suas acções<br />

ins-tintivas, com imposição de procedimentos com<br />

acção positiva do comportamento ensinado.<br />

Nas famílias e nas instituições particulares ou<br />

estatais, as crianças eram mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela manipulação<br />

infantil do medo individual e social. Os pais<br />

ma-nipulavam os filhos através do medo, embora<br />

algu-mas manipulações fossem positivas, para<br />

que eles se comportassem segundo o que consideravam<br />

o social-mente correcto. Amedrontavam<br />

as crianças com o papão, com o homem do saco<br />

(figura do pedinte que an<strong>da</strong>va de porta em porta),<br />

com doenças, com o inferno, ou com qualquer outro<br />

medo. Alguns desses medos prolongavam-se pela<br />

vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas.<br />

Para além do medo instintivo, próprio de todos<br />

os animais, continuam a ser indicados medos<br />

às crianças, falsos ou reais, que elas interiorizam,<br />

impri-mindo-lhes um conhecimento de distinção entre<br />

o que é bom e o que é mau, antes de perceberem<br />

as dife-renças pelo raciocínio.<br />

Por exemplo, no Casal <strong>da</strong> Serra:<br />

Um dos primeiros ensinamentos era como li<strong>da</strong>r<br />

com o fogo, o lume. Não se deve chegar ao lume,<br />

porque queima. Ou seja, ministrava-se o medo<br />

do fogo (Pirofobia). Não se deve pegar no lume,<br />

porque provoca micções nocturnas involuntárias<br />

Não ir para longe <strong>da</strong> casa, porque podiam vir a<br />

tropa do João Alves (guerrilheiro liberal), a tropa <strong>da</strong><br />

Patuleia ou Dom Nuno (Nuno Alvares Pereira, que<br />

dizem ter estado na Gardunha) e que levavam as<br />

crianças que praticavam mal<strong>da</strong>des. Sobrevivências<br />

de medos antigos.<br />

Deviam comer a papa to<strong>da</strong>, porque se não<br />

comessem, metiam-lhes medo com o homem do<br />

saco, que vinha para as levar para longe.<br />

A maior parte <strong>da</strong>s vezes, as crianças não são<br />

ensina<strong>da</strong>s a li<strong>da</strong>r com o medo, mas a temê-lo. São<br />

manipula<strong>da</strong>s, como no caso do homem do saco, do<br />

papão ou de qualquer outra figura.<br />

Interessante era o medo do “Quer que é”, no<br />

Casal <strong>da</strong> Serra. Quando as mães ou as avós queriam<br />

retirar as crianças <strong>da</strong>s brincadeiras <strong>da</strong> rua, tinham<br />

uma interessante maneira de lhes provocar<br />

o medo com “O quer que é”, que vinha lá e podia<br />

108<br />

MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />

levá-las e fazer-lhes mal. As crianças interiorizavam<br />

esse medo, o medo de uma figura irreal atribuindolhe<br />

uma desi-gnação: o Caraculhé! Palavra arranja<strong>da</strong><br />

com a sonori-zação de o quer que é. As próprias<br />

crianças gritavam que vinha lá o Caraculhé, quando<br />

viam qualquer coisa movimentar-se à distância e<br />

corriam para casa.<br />

Segundo as crenças, para defesa do corpo,<br />

nos primeiros meses de vi<strong>da</strong>, com medo do Mau<br />

olhado, do Mal <strong>da</strong> Lua (Selenofobia), <strong>da</strong>s bruxas (Vicafobia)<br />

ou mesmo dos maus ventos (Ancraofobia),<br />

as mulheres saíam à rua com as crianças sempre<br />

envolvi<strong>da</strong>s em panos, para não serem vistas e molesta<strong>da</strong>s,<br />

e colocavam-lhes me<strong>da</strong>lhas benzi<strong>da</strong>s ao<br />

pescoço e certos amuletos.<br />

O medo do escuro<br />

O medo, como mecanismo protector, que tem<br />

por finali<strong>da</strong>de promover a integri<strong>da</strong>de do indi-víduo,<br />

sempre que este se depare com um perigo ou uma<br />

ameaça, desaparece, normalmente, quando deixa<br />

de ser funcional. Pode dizer-se que não há, propriamente,<br />

o medo do escuro (Ligofobia, Escotofobia<br />

ou Nictofobia), mas medo do que poderá existir<br />

ou acontecer no escuro. Medo porque é manifesta<br />

a su-posição de que alguma coisa há que produz<br />

emoção desconfortante.<br />

A ca<strong>da</strong> etapa do desenvolvimento humano<br />

estão associados medos típicos, como o medo do<br />

es-curo, nas crianças, um medo a<strong>da</strong>ptativo, e <strong>da</strong>s<br />

cria-turas imaginárias, como o “Quer que é” referido<br />

atrás. O medo do escuro tem o seu máximo pelos<br />

seis anos, diminuindo, depois, progressivamente,<br />

até cerca dos nove anos. Depois desta i<strong>da</strong>de, se o<br />

medo do escuro persistir já não é a<strong>da</strong>ptativo, mas<br />

desproporcionado, adquirido por modelagem, ao<br />

observar outras pesso-as a reagirem por modos<br />

medrosos. Em certos casos anormais, o medo do<br />

escuro prolonga-se pela i<strong>da</strong>de.<br />

O medo <strong>da</strong>s doenças<br />

O medo <strong>da</strong>s doenças epidémicas, ti<strong>da</strong>s co-mo<br />

pestes ou malinas, levou as populações de Al-caide,<br />

Fatela e Vale de Prazeres a não receberem, no<br />

seu meio, os fugitivos do Catrão, locali<strong>da</strong>de flagela<strong>da</strong><br />

por uma doença contagiosa, como medi<strong>da</strong> de<br />

protec-ção <strong>da</strong>s suas gentes.<br />

Com o medo de ficarem doentes (Nosofo-bia),<br />

até aos anos sessenta do século passado, mui-

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