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humores, em quanti<strong>da</strong>de muito pequena ou<br />
muito grande, se isola do corpo, em vez de<br />
se manter misturado com os outros. Porque,<br />
necessariamente, quando um destes humores<br />
se isola e se mantém à parte, não só o local<br />
que deixou adoece, mas também o local onde<br />
se vai fixar e acumular, por consequência de<br />
uma saturação excessiva, provoca sofrimento<br />
e dor.».<br />
Após este texto, e durante mais de dois milénios,<br />
a grande maioria dos médicos ocidentais estava<br />
firmemente convenci<strong>da</strong> de que, com excepção<br />
dos traumatismos, a doença era uma perturbação<br />
geral ou local, provoca<strong>da</strong> pelas relações entre os<br />
quatro humores.<br />
Os médicos hipocráticos distinguem já, de forma<br />
mais ou menos implícita, a etiologia <strong>da</strong> doença,<br />
a patogénese. A perturbação humoral, juntamente<br />
com as manifestações clínicas, constitui a essência<br />
<strong>da</strong> doença 5 .<br />
Estavam estabeleci<strong>da</strong>s as bases racionais <strong>da</strong><br />
medicina grega, científico-especulativa. Aos poucos,<br />
as explicações sobrenaturais <strong>da</strong>s doenças foram<br />
substituí<strong>da</strong>s por explicações naturais 6 .<br />
Nas suas exposições didácticas, os autores<br />
médicos fizeram tentativas de classificar as doenças.<br />
Os seus esforços de tentar agrupar as enti<strong>da</strong>des<br />
nosológicas em grandes conjuntos foram, por<br />
vezes, bastante satisfatórios na prática mas mantiveram-se<br />
arbitrários e incoerentes, sob o ponto de<br />
vista teórico, <strong>da</strong><strong>da</strong> a deficiência dos seus conhecimentos<br />
de anatomia, fisiologia e patofisiologia.<br />
A classificação mais antiga <strong>da</strong> qual possuímos<br />
um testemunho literário é um poema de Pín<strong>da</strong>ro,<br />
que considera as doenças que nascem espontaneamente<br />
no corpo, os traumatismos e as doenças<br />
devi<strong>da</strong>s às influências externas <strong>da</strong>s estações 7 .<br />
Trata-se de outro excerto <strong>da</strong> III Ode Pítica, na<br />
qual o Poeta se refere à prática <strong>da</strong> medicina de então:<br />
- * - * -<br />
«[Estr. 3]<br />
Vinham até ele os aflitos por males congénitos<br />
ou os que<br />
tinham os membros feridos pelo bronze,<br />
cinzento ou por<br />
uma pedra lança<strong>da</strong> à distância ou, ain<strong>da</strong>, com<br />
os seus corpos<br />
MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />
esgotados pelo calor do Verão ou pelo frio do<br />
Inverno.<br />
Asclépio libertava-os. Expulsava to<strong>da</strong> a espécie<br />
de mal de<br />
quem quer que fosse, cui<strong>da</strong>ndo de uns com<br />
litanias ternas,<br />
de outros com poções calmantes, ou então<br />
aplicava-lhes<br />
remédios em redor dos membros. A outros<br />
endireitava-os<br />
com a cirurgia apropria<strong>da</strong>» (vv. 48-56) .<br />
- * - * -<br />
[Ant. 3]<br />
Mas também a perícia está refém do lucro.<br />
O ouro a brilhar nas mãos como recompensa<br />
sumptuosa<br />
persuadiu-o a ir resgatar um homem à morte.<br />
O filho<br />
de Cronos massajou-lhe, então o peito com<br />
as mãos,<br />
recuperando-lhe a respiração por breves<br />
instantes. Um raio<br />
incandescente cravou a morte de ambos. É<br />
preciso procurar<br />
junto <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des o que é apropriado ao<br />
coração dos<br />
mortais, sabendo o que está perto de nós e<br />
que destino<br />
é o nosso.» vv. 48-62 .<br />
- * - * -<br />
É de notar que, em relação à medicina mágica<br />
antiga, esta medicina, basea<strong>da</strong> na observação e<br />
numa abor<strong>da</strong>gem racional <strong>da</strong> fisiologia e <strong>da</strong> patologia<br />
humana, deve ter trazido avanços consideráveis,<br />
em termos de uma maior eficácia terapêutica.<br />
Os avanços <strong>da</strong> medicina de então colocam o<br />
problema dos limites <strong>da</strong> intervenção médica. No poema,<br />
pela ousadia <strong>da</strong> transgressão, ambos, médico<br />
e doente, são fulminados com um raio, tendo Asclépio<br />
ascendido aos céus, tornado deus.<br />
Nos versos 56-57, por nós assinalados, a negrito,<br />
temos, penso, a primeira descrição de uma tentativa<br />
de ressuscitação, por massagem cardíaca, realiza<strong>da</strong><br />
com sucesso, embora por alguns instantes 10 .<br />
O estudo do conteúdo desta estrofe pareceume<br />
merecer uma maior atenção. Resolvi comparar<br />
traduções. Não sabendo grego 11 , confrontei a tradução<br />
<strong>da</strong> Antístrofe 3 com a versão inglesa <strong>da</strong> Loeb:<br />
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