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Também, nesta primeira metade do século XX,<br />
circulam ideias muito interessantes que colocam estes<br />
grupos profissionais entre duas grandes esferas<br />
de poder: de um lado a religião; do outro lado, o<br />
poder que legitima o próprio Estado: a Ciência. Um<br />
bom exemplo disso é o caso que referimos <strong>da</strong>s Enfermeiras.<br />
Inicia-se, pela mão de Miguel Bombar<strong>da</strong><br />
a profissionalização <strong>da</strong> Enfermagem, em Portugal.<br />
Assim, as enfermeiras assumem um papel de destaque<br />
na promoção <strong>da</strong> higiene e <strong>da</strong> salubri<strong>da</strong>de,<br />
nomea<strong>da</strong>mente, a sua entra<strong>da</strong> na paisagem escolar<br />
tem uma importância enorme <strong>da</strong>do que, segundo<br />
Costa Sacadura, “é o melhor agente para o ensino<br />
<strong>da</strong> higiene” (1921: 112) pois este novo elemento<br />
profissional podia agir no interior e no exterior <strong>da</strong>s<br />
Escolas, nomea<strong>da</strong>mente dos Liceus. Informando,<br />
desse modo, o médico-escolar que poderia fazer<br />
chegar indicações mais precisas aos alunos, e às<br />
famílias dos alunos, acerca dos seus hábitos de higiene.<br />
A Enfermeira podia ser, e foi, um elo intermediário<br />
entre os alunos e o médico, mas também<br />
entre as famílias e os alunos.<br />
Segundo Jorge Ramos do Ó “o aparecimento<br />
<strong>da</strong> figura <strong>da</strong> enfermeira escolar […] forneceria<br />
ao médico e ao professor valiosos elementos de<br />
informação sobre o “meio” em que o aluno vivia.<br />
Quando formalmente cria<strong>da</strong>, logo se transformaria<br />
no “ver<strong>da</strong>deiro laço” que devia ligar a “família à escola”,<br />
que o mesmo era dizer, no “ver<strong>da</strong>deiro agente<br />
<strong>da</strong> colaboração <strong>da</strong> família com a escola” (2003:<br />
418/419).<br />
No fundo o que aconteceu ao longo do século<br />
XX, mas principalmente a partir dos anos 30, foi<br />
a penetração <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s famílias, a bem <strong>da</strong><br />
população em geral, construindo-se assim novos<br />
hábitos e costumes no espaço escolar mas também<br />
no espaço social (Henriques, 2008).<br />
De facto, gradualmente as instituições escolares<br />
assistem à entra<strong>da</strong> no seu interior de um número<br />
ca<strong>da</strong> vez maior de elementos. Os professores que,<br />
desde o Marquês de Pombal, viviam sozinhos, com<br />
os seus alunos, no interior <strong>da</strong> caixa negra <strong>da</strong>s Escolas,<br />
quer dizer sala de aula, passaram a ter que repartir<br />
os seus aprendizes com elementos ligados às<br />
ciências do corpo/psi que ganhavam ca<strong>da</strong> vez mais<br />
importância. Assim, se construiu a chama<strong>da</strong> Saúde<br />
Escolar. De algum modo, temos de reconhecer que<br />
estes elementos que entraram na paisagem educa-<br />
MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />
tiva funcionaram como dispositivos disciplinadores<br />
do corpo e <strong>da</strong> alma que foi obriga<strong>da</strong> a abrir-se para<br />
os especialistas.<br />
José Lopes Dias: O itinerário de um pensamento<br />
entre a teoria e a prática.<br />
Também no Liceu de Nuno Alvares, em Castelo<br />
Branco, este movimento teve dinamizadores. Referimo-nos<br />
a José Lopes Dias que foi, precisamente,<br />
médico-escolar a partir de inícios <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30,<br />
do século XX, apresentando a sua tese ao concurso<br />
documental para este cargo no ano de 1932 intitula<strong>da</strong><br />
“Breves Considerações Sobre a Tuberculose em<br />
Sani<strong>da</strong>de Escolar”.<br />
Lopes Dias tinha plena consciência <strong>da</strong> importância<br />
do movimento que descrevemos anteriormente,<br />
até porque, alguns dos seus professores na<br />
Facul<strong>da</strong>de de <strong>Medicina</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Coimbra<br />
eram apologistas destes novos profissionais e desta<br />
nova mentali<strong>da</strong>de higienista. Este homem acompanhou<br />
de perto todo o movimento, optando por desenvolver<br />
conceitos como: previdência, prevenção,<br />
profilaxia, com o objectivo definido de aju<strong>da</strong>r a construir<br />
uma “consciência social” sobre os problemas <strong>da</strong><br />
salubri<strong>da</strong>de e higiene em Castelo Branco, utilizando<br />
o seu cargo de médico-escolar como plataforma de<br />
exercício de poder sobre a comuni<strong>da</strong>de.<br />
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