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Branco <strong>da</strong> Silveira, justificou deste modo a escolha<br />
do patrono que haveria de ser despachado em Diário<br />
<strong>da</strong> República de 8 de Setembro de 1995, historificando<br />
e repetindo algumas <strong>da</strong>s passagens mais<br />
célebres <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. «( ) um dos<br />
mais insignes médicos portugueses do século XVI.<br />
( ) perseguido por ser de raça hebraica e suspeito<br />
de marrano, saiu de Portugal ( ). Espírito observador,<br />
experimental e eminentemente cientifico, homem<br />
típico do melhor Quinhentos português, o do<br />
progresso e <strong>da</strong><br />
ciência, Amato<br />
Lusitano, apesar<br />
de vitima <strong>da</strong> repressãoinquisitorial<br />
no seu pais<br />
de nascimento, é<br />
visto para a posteri<strong>da</strong>de<br />
como<br />
um grande médico<br />
português,<br />
marcando inclusivamente<br />
o seu<br />
pseudónimo académico<br />
a respectiva<br />
origem nacional.»<br />
21 O logótipo oficial do hospital, que ain<strong>da</strong> hoje<br />
é reproduzido, resultou de um concurso realizado<br />
em 1995 ganho pelo enfermeiro Fernando Micaelo.<br />
A singela construção imagética depura e simplifica<br />
a silhueta iconográfica dominante em quase to<strong>da</strong>s<br />
as representações plásticas do médico renascentista:<br />
o perfil <strong>da</strong> sua estátua em bronze.<br />
Como um dia considerou Maurice Halbwachs<br />
a memória afirma sempre uma reconstrução social<br />
do passado giza<strong>da</strong> num tempo determinado, enfatizando<br />
que são os grupos sociais que estabelecem<br />
o que é memorável e, pelo invés, o que será<br />
esquecido. 22 Foi o que aconteceu com o principal<br />
foco urbano amatiano, emitido pela sua estátua.<br />
Nos recentes anos, o centro cívico novecentista de<br />
Castelo Branco voltou a ser alvo de uma profun<strong>da</strong><br />
reorganização nas suas matérias e nos circuitos,<br />
reorientando-se os sentires emitidos por esta notável<br />
parcela <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de urbana. Ao abrigo do<br />
Programa Polis, a espessura histórica e a presença<br />
real na consciência e na grande textuali<strong>da</strong>de identitária<br />
<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de Amato, foram reconduzi<strong>da</strong><br />
80<br />
MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />
e aviva<strong>da</strong> na consciência do colectivo. A estátua foi<br />
limpa e reli<strong>da</strong> e com a colocação de uma placa que<br />
designa as principais coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do médico<br />
renascentista, o discurso irradiado transporta<br />
o ci<strong>da</strong>dão-observador a outras paragens até agora<br />
ocultas ou invisíveis. O elemento escultórico foi envolvido<br />
por novos odores e cromias através <strong>da</strong> instalação<br />
de um herbário histórico que traz para o presente,<br />
um conjunto de saberes médico-botânicos,<br />
recuados no tempo. Disseminou-se, no renovado<br />
centro cívico, uma cativante experiência pe<strong>da</strong>gógica<br />
desenvolvi<strong>da</strong> pela Escola Superior de Educação<br />
de Castelo Branco: o horto de Amato Lusitano <strong>23</strong> .<br />
Em revivescência continua<strong>da</strong>, as plantas confirmam<br />
também as palavras do calendário <strong>da</strong>s memórias<br />
do sábio médico, anulando o efémero e celebrando,<br />
na densi<strong>da</strong>de dos estratos locais, a ciclici<strong>da</strong>de e a<br />
felici<strong>da</strong>de do renascer.<br />
Nestes anos muitos quiseram fixar, na imobili<strong>da</strong>de<br />
dos retratos definitivos, a reali<strong>da</strong>de fugidia de<br />
Amato Lusitano. Cultivou-se, por vezes, uma desmesura<strong>da</strong><br />
auto–estima fortalecendo a dimensão<br />
mítica <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. A diacronia historiográfica<br />
consubstanciou-se em narrativas plurais e fragmenta<strong>da</strong>s,<br />
muitas vezes de pendor teleológico, animando<br />
o uso e o abuso <strong>da</strong> memória histórica. Hoje é<br />
numa geografia localiza<strong>da</strong> que a memória amatiana<br />
continua presente e se reproduz. A sua memória<br />
provocou o surgimento de elementos simbólicos<br />
que tem vindo a afirmar, ao longo dos tempos, atitudes<br />
de cariz de gestão política e atitudes de prática<br />
cultural. Escreveu Le Goff que «A memória é<br />
um elemento esencial do que se costuma chamar<br />
identi<strong>da</strong>de, individual ou coletiva, cuja busca é uma<br />
<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais dos indivíduos e <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des de hoje, na febre e na angústia.»<br />
Com efeito, as figuras históricas, que ascenderam<br />
a mitos por uma exemplari<strong>da</strong>de que lhes<br />
anulou as referências de tempo e de espaço, só<br />
podem permanecer vivas quando apropria<strong>da</strong>s pela<br />
consciência e pela memória colectiva. O continuarem<br />
a dizer algo, a provocar a interrogação, esse<br />
seguimento do perguntar à estátua» é função célere,<br />
pois, como alvitra José Saramago: «Tudo no mundo<br />
está <strong>da</strong>ndo respostas, o que demora é o tempo<br />
<strong>da</strong>s perguntas.» 24 Amato Lusitano ain<strong>da</strong> preenche e<br />
ocupa uma proeminente centrali<strong>da</strong>de na percepção<br />
imagética urbana albicastrense contemporânea. É