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caderno 23 - História da Medicina

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Branco <strong>da</strong> Silveira, justificou deste modo a escolha<br />

do patrono que haveria de ser despachado em Diário<br />

<strong>da</strong> República de 8 de Setembro de 1995, historificando<br />

e repetindo algumas <strong>da</strong>s passagens mais<br />

célebres <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. «( ) um dos<br />

mais insignes médicos portugueses do século XVI.<br />

( ) perseguido por ser de raça hebraica e suspeito<br />

de marrano, saiu de Portugal ( ). Espírito observador,<br />

experimental e eminentemente cientifico, homem<br />

típico do melhor Quinhentos português, o do<br />

progresso e <strong>da</strong><br />

ciência, Amato<br />

Lusitano, apesar<br />

de vitima <strong>da</strong> repressãoinquisitorial<br />

no seu pais<br />

de nascimento, é<br />

visto para a posteri<strong>da</strong>de<br />

como<br />

um grande médico<br />

português,<br />

marcando inclusivamente<br />

o seu<br />

pseudónimo académico<br />

a respectiva<br />

origem nacional.»<br />

21 O logótipo oficial do hospital, que ain<strong>da</strong> hoje<br />

é reproduzido, resultou de um concurso realizado<br />

em 1995 ganho pelo enfermeiro Fernando Micaelo.<br />

A singela construção imagética depura e simplifica<br />

a silhueta iconográfica dominante em quase to<strong>da</strong>s<br />

as representações plásticas do médico renascentista:<br />

o perfil <strong>da</strong> sua estátua em bronze.<br />

Como um dia considerou Maurice Halbwachs<br />

a memória afirma sempre uma reconstrução social<br />

do passado giza<strong>da</strong> num tempo determinado, enfatizando<br />

que são os grupos sociais que estabelecem<br />

o que é memorável e, pelo invés, o que será<br />

esquecido. 22 Foi o que aconteceu com o principal<br />

foco urbano amatiano, emitido pela sua estátua.<br />

Nos recentes anos, o centro cívico novecentista de<br />

Castelo Branco voltou a ser alvo de uma profun<strong>da</strong><br />

reorganização nas suas matérias e nos circuitos,<br />

reorientando-se os sentires emitidos por esta notável<br />

parcela <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de urbana. Ao abrigo do<br />

Programa Polis, a espessura histórica e a presença<br />

real na consciência e na grande textuali<strong>da</strong>de identitária<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de Amato, foram reconduzi<strong>da</strong><br />

80<br />

MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />

e aviva<strong>da</strong> na consciência do colectivo. A estátua foi<br />

limpa e reli<strong>da</strong> e com a colocação de uma placa que<br />

designa as principais coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do médico<br />

renascentista, o discurso irradiado transporta<br />

o ci<strong>da</strong>dão-observador a outras paragens até agora<br />

ocultas ou invisíveis. O elemento escultórico foi envolvido<br />

por novos odores e cromias através <strong>da</strong> instalação<br />

de um herbário histórico que traz para o presente,<br />

um conjunto de saberes médico-botânicos,<br />

recuados no tempo. Disseminou-se, no renovado<br />

centro cívico, uma cativante experiência pe<strong>da</strong>gógica<br />

desenvolvi<strong>da</strong> pela Escola Superior de Educação<br />

de Castelo Branco: o horto de Amato Lusitano <strong>23</strong> .<br />

Em revivescência continua<strong>da</strong>, as plantas confirmam<br />

também as palavras do calendário <strong>da</strong>s memórias<br />

do sábio médico, anulando o efémero e celebrando,<br />

na densi<strong>da</strong>de dos estratos locais, a ciclici<strong>da</strong>de e a<br />

felici<strong>da</strong>de do renascer.<br />

Nestes anos muitos quiseram fixar, na imobili<strong>da</strong>de<br />

dos retratos definitivos, a reali<strong>da</strong>de fugidia de<br />

Amato Lusitano. Cultivou-se, por vezes, uma desmesura<strong>da</strong><br />

auto–estima fortalecendo a dimensão<br />

mítica <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. A diacronia historiográfica<br />

consubstanciou-se em narrativas plurais e fragmenta<strong>da</strong>s,<br />

muitas vezes de pendor teleológico, animando<br />

o uso e o abuso <strong>da</strong> memória histórica. Hoje é<br />

numa geografia localiza<strong>da</strong> que a memória amatiana<br />

continua presente e se reproduz. A sua memória<br />

provocou o surgimento de elementos simbólicos<br />

que tem vindo a afirmar, ao longo dos tempos, atitudes<br />

de cariz de gestão política e atitudes de prática<br />

cultural. Escreveu Le Goff que «A memória é<br />

um elemento esencial do que se costuma chamar<br />

identi<strong>da</strong>de, individual ou coletiva, cuja busca é uma<br />

<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais dos indivíduos e <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des de hoje, na febre e na angústia.»<br />

Com efeito, as figuras históricas, que ascenderam<br />

a mitos por uma exemplari<strong>da</strong>de que lhes<br />

anulou as referências de tempo e de espaço, só<br />

podem permanecer vivas quando apropria<strong>da</strong>s pela<br />

consciência e pela memória colectiva. O continuarem<br />

a dizer algo, a provocar a interrogação, esse<br />

seguimento do perguntar à estátua» é função célere,<br />

pois, como alvitra José Saramago: «Tudo no mundo<br />

está <strong>da</strong>ndo respostas, o que demora é o tempo<br />

<strong>da</strong>s perguntas.» 24 Amato Lusitano ain<strong>da</strong> preenche e<br />

ocupa uma proeminente centrali<strong>da</strong>de na percepção<br />

imagética urbana albicastrense contemporânea. É

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