12.06.2013 Views

caderno 23 - História da Medicina

caderno 23 - História da Medicina

caderno 23 - História da Medicina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

(chorion), descrevendo as suas principais características,<br />

em termos não muito diferentes dos que<br />

utilizaríamos agora 9 .<br />

Associa<strong>da</strong> à questão do desenvolvimento do<br />

feto, surge uma outra, que sempre intrigou os investigadores<br />

de todos os tempos: o fenómeno <strong>da</strong><br />

diferenciação sexual. Esta curiosi<strong>da</strong>de, manifesta<br />

em to<strong>da</strong>s as culturas, leva à formulação de várias<br />

formas de diagnóstico durante o período Clássico.<br />

Hipócrates, como já vimos, sustenta que o rapaz<br />

se mexe mais cedo ao que a rapariga. Aristóteles<br />

partilha esta mesma opinião, mas defende que<br />

não é o calor do útero que determina o sexo, porque,<br />

se assim fosse, os gémeos deviam ser sempre<br />

do mesmo sexo, o que nem sempre acontece. A<br />

cultura popular foi também apresentando e universalizando<br />

os seus métodos de diagnóstico, nomea<strong>da</strong>mente<br />

no que respeita a determinação do sexo<br />

do feto, examinando as manifestações apresenta<strong>da</strong>s<br />

pela mãe. Durante muitos anos, considerou-se<br />

que o sexo <strong>da</strong> criança influenciava o carácter e aspecto<br />

maternos. Se a mãe an<strong>da</strong>va alegre, cheia de<br />

vigor, com um apetite excelente, era porque estava<br />

a conceber um rapaz. Se, por outro lado, se sentisse<br />

triste e rabugenta, apresentando a tez páli<strong>da</strong> e sombria,<br />

então estaria à espera uma rapariga.<br />

Amato, inevitavelmente interessado por este<br />

assunto, assume aqui numa posição de vanguar<strong>da</strong><br />

e desconstroi rigorosamente os falsos sinais do<br />

sexo do feto, que sabe perfeitamente serem consensuais<br />

na sua época. Repare-se, entre outras, na<br />

contundência desta passagem:<br />

46<br />

«A esposa do magnífico JOÃO DO<br />

TRIUNFO, patrício de Ancona, an<strong>da</strong>va grávi<strong>da</strong>,<br />

o mamilo direito estava mais inchado do que o<br />

esquerdo e o feto agarrava-se quase sempre<br />

ao lado direito, segundo ela dizia. Com efeito,<br />

o ventre alteava-se muito e ela tinha a face<br />

bem cora<strong>da</strong>, tudo sinais que anunciam sexo<br />

masculino, no testemunho de Hipócrates. Não<br />

obstante, deu à luz uma menina, para <strong>da</strong>qui se<br />

julgar quão incertos são tais sinais, teimosamente<br />

aceites por muitos como ver<strong>da</strong>deiros e<br />

fun<strong>da</strong>mentados» 10 .<br />

Vários casos clínicos, relativos à gravidez,<br />

descritos por Amato envolvem alterações do comportamento<br />

feminino. Por exemplo, situações como<br />

MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />

o aborto, a morte de crianças ou de parentes, a infertili<strong>da</strong>de,<br />

a própria gravidez, as pressões para a<br />

mulher aceitar pretendentes não desejados ou os<br />

namoros proibidos, aparecem como causas que levam<br />

as mulheres a ter alterações comportamentais,<br />

por vezes pronuncia<strong>da</strong>s, manifestando-se nomea<strong>da</strong>mente<br />

no sofrimento <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> melancolia,<br />

hoje referi<strong>da</strong> como depressão clínica. Apresentanos<br />

vários outros casos clínicos em a melancolia<br />

surge após o parto, aquilo que nós actualmente<br />

chamamos depressão pós-parto. Na Cura XXXIV, <strong>da</strong><br />

I Centúria, Amato conta o caso de uma mulher que<br />

deu à luz e depois caiu em melancolia. Diz, citando<br />

Paulo Egineta, que:<br />

«a melancolia é uma alienação mental<br />

sem febre, proveniente sobretudo do humor<br />

melancólico que tenha ocupado a sede <strong>da</strong> razão<br />

(…)» 11 .<br />

Um outro caso clínico que trata de melancolia<br />

e que envolve uma mulher grávi<strong>da</strong> é descrito na<br />

Cura LXXXVII <strong>da</strong> V Centúria, em que Amato refere<br />

alguns dos sintomas <strong>da</strong> doença «(…) Palrava muito,<br />

e variado, a ponto de todos ficarem admirados» 12 .<br />

Para o tratamento desta doença, Amato considera<br />

essencial a regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s “limpezas<br />

periódicas femininas”, afirmando que os ciclos<br />

menstruais certos e não problemáticos tornam<br />

as mulheres mais saudáveis, tanto mental como<br />

fisicamente.<br />

3 – Considerações sobre doenças que afectam<br />

os aparelhos genitais masculino e feminino<br />

A teoria <strong>da</strong> origem americana <strong>da</strong> sífilis encontrou<br />

em Amato Lusitano, no Século XVI, um dos<br />

primeiros defensores. Na época a nomenclatura<br />

utiliza<strong>da</strong> para esta doença era muito varia<strong>da</strong>. Os<br />

portugueses chamavam-lhe sarna castelhana. Os<br />

espanhóis, mal serpentina, bubas e boubas. Os<br />

franceses, morbo napolitano. E existiam ain<strong>da</strong> várias<br />

outras designações. Em testemunho desta diversi<strong>da</strong>de,<br />

note-se que Amato nomeia a sífilis, em<br />

numerosas curas, como morbo gálico, ou sarna<br />

gálica, ou lepra gálica, ou úlcera serpentina, entre<br />

outras designações.<br />

Com os resultados <strong>da</strong>s suas pesquisas e experimentações<br />

sobre a nova doença, Amato veio<br />

aju<strong>da</strong>r a questionar as concepções ancestrais, que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!