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caderno 23 - História da Medicina

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O estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício<br />

em Portugal, em 1536, acarretou graves e profun<strong>da</strong>s<br />

consequências, tanto para o país, quanto para<br />

a comuni<strong>da</strong>de ju<strong>da</strong>ico-portuguesa. A relação estreita<br />

entre poder, saber e riqueza, em que assentava o<br />

sucesso do império marítimo português, sofreu um<br />

rude golpe. Com os judeus portugueses que eram<br />

forçados a abandonar, em ca<strong>da</strong> vez maior número,<br />

a terra que os vira nascer, partia também uma parte<br />

importante <strong>da</strong> nação lusitana. Com eles partia, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, uma cultura, uma língua e uma experiência<br />

únicas. Uma parte substancial do saber e <strong>da</strong> riqueza<br />

nacional acompanha os numerosos cristãos-novos<br />

que rumam a Antuérpia a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de trinta.<br />

As activi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> pioneira e empreendedora<br />

comuni<strong>da</strong>de ju<strong>da</strong>ico-portuguesa, estabeleci<strong>da</strong> na<br />

plataforma comercial de Antuérpia, desde as primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s do século XVI, é um exemplo paradigmático<br />

desta reali<strong>da</strong>de. Há um núcleo reduzido<br />

de grandes mercadores cristãos-novos, encabeçado<br />

por Diogo Mendes, que criam, desde muito<br />

cedo, as condições que tornaram possível, alguns<br />

anos mais tarde, a fuga generaliza<strong>da</strong> dos cristãosnovos,<br />

seguindo as mesmas vias de comunicação<br />

<strong>da</strong>s mercadorias. Foram os membros do chamado<br />

Consórcio <strong>da</strong> Pimenta, que estiveram na base do<br />

grande comércio internacional associado, primeiro,<br />

às especiarias, em particular à pimenta, e depois<br />

alargado a muitos outros produtos provenientes <strong>da</strong><br />

metrópole e <strong>da</strong>s colónias portuguesas.<br />

Mas são também estes mesmos homens que<br />

assumem um papel decisivo e incontornável na diáspora<br />

sefardita, organizando e financiando redes<br />

de apoio à emigração dos seus conterrâneos menos<br />

favorecidos. Nesta primeira metade de Quinhentos,<br />

foram lança<strong>da</strong>s as sóli<strong>da</strong>s raízes de uma<br />

estrutura alarga<strong>da</strong> de base comercial, cultural e religiosa,<br />

assente em redes familiares, cujos membros<br />

se encontravam dispersos pelas grandes praças<br />

comerciais europeias.<br />

Em Lisboa e em Antuérpia, a acção <strong>da</strong> família<br />

Mendes-Benveniste assume um papel de indiscutível<br />

importância para a comuni<strong>da</strong>de ju<strong>da</strong>ico-portuguesa.<br />

A morte de Francisco Mendes, em Janeiro de<br />

1535, constituiu um golpe profundo e inesperado,<br />

não só na Casa Mendes-Benveniste, mas na própria<br />

liderança, organização e estratégia dos cristãos-novos,<br />

que no ano seguinte assistem, incrédulos, ao<br />

8<br />

MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />

tão temido e anunciado estabelecimento <strong>da</strong> Inquisição<br />

em Portugal, vendo assim malogra<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as<br />

suas diligências para que tal não viesse a suceder.<br />

3. A Figura de Henrique Pires,<br />

alias Yacob Cohen<br />

Henrique Pires, mercador cristão-novo, natural<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Évora, é uma figura proeminente <strong>da</strong><br />

Nação Portuguesa, desde as primeiras déca<strong>da</strong>s de<br />

Quinhentos, fazendo parte integrante, na companhia<br />

de Estêvão Pires, seu sobrinho e genro, do já referido<br />

Consórcio <strong>da</strong> Pimenta, liderado em Antuérpia<br />

pela figura incontornável de Diogo Mendes. Entre<br />

os seus filhos, merece uma referência particular o<br />

famoso poeta e humanista Diogo Pires, que acompanhou<br />

de muito perto o pai, conforme ele próprio<br />

relata em carta autobiográfica dirigi<strong>da</strong> a Paulo Jóvio,<br />

em 1547, de Ferrara.<br />

São escassas as informações sobre a infância<br />

e juventude de Diogo Pires até ao momento <strong>da</strong> sua<br />

parti<strong>da</strong> definitiva de Portugal, ocorri<strong>da</strong> pouco depois<br />

de ter celebrado o seu décimo oitavo aniversário,<br />

em 17 de Abril de 1535 1 . Sabemos, porém, que o<br />

jovem abandona o país, por ordem expressa do pai,<br />

numa altura em que a situação dos cristãos-novos<br />

em Portugal se tornava ca<strong>da</strong> vez mais precária. As<br />

negociações na Cúria romana não corriam de feição<br />

para os cristãos-novos, e antevia-se, a breve trecho,<br />

o estabelecimento <strong>da</strong> Inquisição em Portugal, como<br />

de facto veio a ocorrer no ano seguinte.<br />

Henrique Pires tinha seguramente conhecimento<br />

do evoluir destas negociações e do enorme<br />

perigo que se avizinhava. A indicação do triste<br />

momento <strong>da</strong> parti<strong>da</strong> de Portugal é-nos <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo<br />

próprio poeta eborense num escólio a um dístico<br />

dedicado a D. João III:<br />

Neste reinado, a mando de meu pai e adolescente<br />

de apenas dezoito anos, eu parti: facto que<br />

não é sem lágrimas que escrevo; e os confins e os<br />

doces campos <strong>da</strong> pátria eu deixei, no ano de 1535. 2<br />

Sabemos, agora, que também Amato Lusitano<br />

foi obrigado a partir <strong>da</strong> pátria que o viu nascer, nas<br />

mesmas circunstâncias, apenas alguns meses antes<br />

de Diogo Pires. Compreendem-se, pois, as razões<br />

subjacentes à ordem indiscutível que Henrique<br />

Pires deu, primeiro, ao sobrinho (João Rodrigues de<br />

Castelo Branco) e, pouco depois, ao filho (Diogo Pires),<br />

para abandonarem Portugal sem demora.

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