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na o negro sangue que dela brota e derrama sobre<br />
a feri<strong>da</strong> bálsamos calmantes e salutares (...). Dos<br />
nossos dois médicos Po<strong>da</strong>lírio e Macáon, um está<br />
ferido em sua ten<strong>da</strong> e o outro resiste a Ares na planície<br />
dos troianos».<br />
Então Pátroclo, conta Homero, « (…) arrancou<br />
<strong>da</strong> coxa o <strong>da</strong>rdo agudo e acerado com o auxílio do<br />
seu cutelo, lavou com água morna o negro sangue,<br />
e espalhou sobre a feri<strong>da</strong> uma raiz amarga e calmante,<br />
que triturara com a mão. A raiz acalmou as<br />
dores, a feri<strong>da</strong> secou, e o sangue deixou de correr» 8 .<br />
E A mato lusitano termina esta Cura expressando<br />
a sua opinião acerca do que, do seu ponto<br />
de vista, deveriam ser as relações médico-cirúrgião,<br />
do seguinte modo:<br />
«Visto que somos médicos, saibamos por experiência<br />
qual o mérito de uma arte auxiliar, quanto<br />
vale, qual a sua oportuni<strong>da</strong>de e o modo de aplicação.<br />
Quando abrimos uma veia, colocamos umas<br />
ventosas e fazemos outras operações manualmente,<br />
já somos auxiliares. Por isso a arte médica dignifica<br />
superiormente os médicos, o médico às artes<br />
auxiliares (...) » 9 .<br />
Um outro traço <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de de Amato<br />
contado na Cura 8.ª <strong>da</strong> III Centúria dá a dimensão de<br />
quanto os laços <strong>da</strong>s relações de Amizade de Amato<br />
eram profundos e fortes. Amato Lusitano nunca<br />
abandonava um amigo, mesmo caído em desgraça<br />
e perseguido pela justiça. Conta Amato nesta Cura<br />
8ª a assistência que prestara a D. Afonso de Lencastre,<br />
embaixador de Portugal junto do Papa Júlio<br />
III. Mas um pormenor final deste relato evidencia de<br />
modo claro a faceta leal de Amato Lusitano para os<br />
que a ele estavam ligados por laços de Amizade.<br />
Aconteceu que um sobrinho do embaixador, Francisco<br />
de Sotomaior fora, por questões de negócios<br />
familiares, assassinado por um seu primo chamado<br />
Francisco Sylvio. O trágico incidente acontecera<br />
38<br />
MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />
momentos depois de Francisco Sotomaior ter saído<br />
de casa de seu tio, onde alegremente convivera<br />
com Amato. Quinhentos ducados de oiro foram<br />
oferecidos como recompensa a quem entregasse<br />
o assassino que fugira de Roma. Através de um<br />
longo diálogo Amato relata a seu irmão José todos<br />
estes trágicos acontecimentos. Mas é a resposta de<br />
Amato à pergunta de José: «Conhecias Francisco<br />
Sylvio?, que encerra to<strong>da</strong> a grandeza de alma de<br />
Amato, e to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> consideração de Ambrósio<br />
de Nicandro: ser ele «amável de nome e de<br />
facto». Foi esta a resposta de Amato:<br />
« Conhecia-o e estimava-o. Era tão meu amigo<br />
que, enquanto eu viver, não o tirarei do coração». 10<br />
NOTAS<br />
1 - Amato Lusitano, IV Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Edição <strong>da</strong><br />
Universi<strong>da</strong>de Nova de Lisboa, vol. III, p. 10. Trad.de Firmino Crespo.<br />
2 - Amato Lusitano, IV Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Cura 54,<br />
Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Nova de Lisboa, vol.III, Cura p.100. Trad. e<br />
Firmino Crespo.<br />
3 - Foram célebres as contundentes divergências entre Amato<br />
e Matiolo.<br />
4 - Amato Lusitano, IV Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Nova de Lisboa, vol. III, Cura 44, p. 89. Trad. de Firmino<br />
Crespo.<br />
5 - ibidem.<br />
6 - J. H. Hale, A Europa durante o Renascimento (1480-1520),<br />
Lisboa, Editorial Presença, 1971, pp 250-251.<br />
7 - Amato Lusitano, IV Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Nova de Lisboa, vol. III, Cura 69, p. 119. Trad. de Firmino<br />
Crespo.<br />
8 - Homero, A Ilía<strong>da</strong>, Lisboa, Publicações Europa-América, 2004,<br />
pp. 180-181<br />
9 - Amato Lusitano, IV Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Nova de Lisboa, vol. III, Cura 69, pp.119-120. Trad. de<br />
Firmino Crespo.<br />
10 - Amato Lusitano, III Centúria de Curas <strong>Medicina</strong>is, Ed. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Nova de Lisboa, vol. II, Cura 8, p. 182 . Tradução de<br />
Firmino Crespo.<br />
* Geógrafa. Investigadora.