You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Nascido no Porto, a 29 de Dezembro de 1845,<br />
Sousa Viterbo deixou uma extensa obra. O seu apelido<br />
resultou do facto de seu pai, Henrique de Sousa<br />
que quis que o filho usasse o sobrenome do 1.º Director<br />
<strong>da</strong> Escola Médico Cirúrgica do Porto, Francisco<br />
Pedro de Viterbo, seu padrinho. Destinado à<br />
vi<strong>da</strong> eclesiástica, frequentou o Seminário mas em<br />
1869 matriculou-se na escola Médico Cirúrgica de<br />
Lisboa, formando-se em 1876.<br />
Dedicou-se à Arqueologia, à Poesia , ao Jornalismo.<br />
No ano <strong>da</strong> sua formatura começou a perder a<br />
vista e viria a cegar. Segundo a Grande Enciclopédia<br />
Portuguesa e Brasileira, nos últimos cinco anos <strong>da</strong><br />
sua vi<strong>da</strong>, ditou a sua filha Clementina Leite de Sousa<br />
Viterbo, milhares de páginas. Na ver<strong>da</strong>de, a obra<br />
deste médico é imensa. Surge, porém um desentendimento<br />
quando a mesma<br />
Enciclopédia refere, com autógrafo do autor, o<br />
seguinte poemeto:<br />
Não é extrema a cegueira<br />
Nem se fez noite num dia<br />
Vejo um botão na roseira<br />
E esse botão me alumia<br />
Bendita seja a roseira<br />
Bento é seu nome - Sofia<br />
MEDICINA NA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI<br />
UM TEXTO INéDITO DE SOUSA VITERbO<br />
Como curiosi<strong>da</strong>de direi ain<strong>da</strong> que legou ao<br />
Ateneu Comercial do Porto o seu busto e o de sua filha,<br />
com a condição de ficarem colocados de modo<br />
a que olhassem um para o outro. Assim os pode ver<br />
o visitante <strong>da</strong> Biblioteca <strong>da</strong>quela Instituição.<br />
O infatigável Sousa Viterbo dedicou a sua insaciável<br />
verve a campos muito diversificados <strong>da</strong><br />
escrita.<br />
Por mero acaso, veio parar-me à mão um texto<br />
de três páginas, que reputo de muito curioso, a que<br />
o autor deu título O Doutor <strong>da</strong> Mula Ruça.<br />
Como ficou dito, este médico passou a ditar a<br />
sua filha os textos pelo que não se trata de um texto<br />
manuscrito, nem sequer assinado.<br />
Convencido de que se trata de um texto original<br />
e inédito, procurei reconhecê-lo por peritos <strong>da</strong><br />
Biblioteca do Ateneu Comercial do Porto e <strong>da</strong> Biblioteca<br />
Nacional.<br />
A fim de não fatigar com a sua extensão total,<br />
transcrevo a parte inicial do texto, para apreciação:<br />
Ain<strong>da</strong> hoje é vulgar a expressão doutor <strong>da</strong><br />
mula ruça, mas não lhe sei determinar rigorosamente<br />
a significação, que me parece se emprega sempre<br />
em sentido irónico e de troça. Fallando do ratinho,<br />
isto é, do aldeão <strong>da</strong> Beira, o sr. dr. Theóphilo<br />
Braga, sugestionado não sei por que analogia, diz o<br />
seguinte do dr. <strong>da</strong> mula ruça:<br />
“Como este tipo isolado, creou-se entre o povo<br />
o tipo do Doutor pe<strong>da</strong>nte, de um personagem do<br />
tempo de D. João III, o Doutor <strong>da</strong> mula ruça, e o tipo<br />
<strong>da</strong> cria<strong>da</strong> ladina ou Sirigaita”<br />
Como se vê, não exemplifica nem documenta<br />
a sua asserção. Não seria antes o doutor <strong>da</strong> mula<br />
ruça um tipo similhante ao João semana, tão admiravelmente<br />
desenhado por Júliuo Diniz? A única allusão,<br />
que ora tenho encontrado na nossa antiga literatura é<br />
a que traz o poeta Chiado no Auto <strong>da</strong>s regateiras:<br />
“o doutor <strong>da</strong> mula ruça<br />
vos <strong>da</strong>ra são, como a palma,<br />
ou o <strong>da</strong>s sete carapuças,<br />
que aqui an<strong>da</strong> vaganau”<br />
Armando Moreno *<br />
O doutor <strong>da</strong> mula ruça não é contudo uma enti<strong>da</strong>de<br />
de phantasia, teve uma reali<strong>da</strong>de histórica,<br />
documentalmente comprova<strong>da</strong>. Chamava-se Antonio<br />
Lopes e residia em Evora na primeira metade<br />
do século XVI. parece que elle se glorificava do<br />
seu epitheto popular, porisso que vem muito claramente<br />
expresso na sua carta de doutor. Por certo<br />
que o adquiria com tal ou qual honra, de modo a<br />
apregoal-o jactanciosamente, doutra sorte não se<br />
comprehende que elle lhe désse fóros de ci<strong>da</strong>de.<br />
147