Weekend 1195 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico
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52 <strong>Económico</strong> — <strong>Weekend</strong> Sábado 5 Dezembro 2009<br />
DESTAQUE “A IDEIA QUE É A AMÉRICA” DE ANNE-MARIE SLAUGHTER<br />
A ideia de América<br />
JOÃO MARQUES<br />
DE ALMEIDA<br />
Colunista do <strong>Económico</strong><br />
Tal como muitos outros académicos e intelectuais<br />
próximos do Partido Democrata,<br />
Slaughter foi muito crítica (sem nunca<br />
cair em radicalismos excessivos) da política<br />
externa norte-americana durante as<br />
Presidências de George W. Bush. A reacção<br />
à “deriva unilateral” do seu país foi<br />
repensar os próprios fundamentos da diplomacia<br />
dos Estados Unidos. The Idea<br />
that is America é o resultado dessa reflexão.<br />
Slaughter começa por colocar duas<br />
questões existenciais: “qual deve ser o<br />
papel dos Estados Unidos no mundo?” e,<br />
sendo que a segunda questão decorre de<br />
uma resposta implícita à primeira, “de<br />
que modo a diplomacia norte-americana<br />
é fiel aos valores do país?”<br />
Dito de outro modo, o objectivo fundamental<br />
da política externa dos Estados<br />
Unidos deve ser a promoção dos valores<br />
americanos. Esta convicção demonstra,<br />
desde logo, que os grandes objectivos da<br />
Administração Obama, no essencial, são<br />
semelhantes aos do Presidente anterior<br />
(tal como de resto de todos os outros Presidentes<br />
americanos desde 1945). As políticas<br />
serão diferentes. Obviamente que<br />
esta diferença não é menor; segundo muitos<br />
críticos, entre eles Slaughter, algumas<br />
das políticas da Administração Bush significaram<br />
uma violação dos valores fundamentais<br />
americanos.<br />
Os sete capítulos substanciais do livro<br />
são dedicados aos valores centrais que definem<br />
os Estados Unidos: liberdade, democracia,<br />
igualdade, justiça, tolerância,<br />
humildade e fé. Misturando a história<br />
americana com a filosofia política, a discussão<br />
sobre os valores é rica e interessante.<br />
Além disso, a escrita é simples, elegante<br />
e acessível. À excepção dos últimos dois<br />
valores, humildade e fé, os restantes cinco<br />
são igualmente cruciais para os europeus e<br />
mostram a proximidade ideológica e cultural<br />
entre os dois lados do Atlântico.<br />
Existem algumas diferenças no tratamento<br />
entre valores distintos. Por exemplo, a relação<br />
entre liberdade e igualdade não é idêntica<br />
para americanos e europeus (mas mesmonaEuropa,asituaçãonãoéuniforme).<br />
No entendimento de democracia também<br />
se notam diferenças (neste caso, talvez<br />
mais substanciais). Nos Estados Unidos, a<br />
dimensão institucional e normativa ocupa<br />
um lugar central. Enquanto, em muitos<br />
países europeus, a dimensão popular da<br />
democracia prevalece muitas vezes sobre<br />
os requisitos institucionais. No entanto,<br />
no essencial, principalmente se colocarmos<br />
a discussão no plano global, as semelhanças<br />
entre americanos e europeus são<br />
maiores do que as diferenças.<br />
No plano dos valores, as excepções à<br />
identidade comum entre americanos e<br />
europeus, são a humildade eafé.Apesar<br />
da natureza histórica da discussão, o capítulo<br />
sobre a humildade visa um objectivo<br />
político muito concreto. Traçar uma<br />
distinção muito clara entre a “arrogância”<br />
do Presidente Bush e a necessária<br />
humildadedofuturoPresidente(olivro<br />
foi publicado antes da eleição de Obama).<br />
Uma conduta humilde teria que ser a<br />
condição para uma nova política externa<br />
assente na cooperação e em parcerias<br />
multilaterais.<br />
A discussão sobre a humildade tem<br />
ainda uma dimensão religiosa e prepara o<br />
tratamento do último valor da tabela<br />
ideológica de Slaughter.<br />
A importância da fé na vida pública<br />
americana aparece poderosamente nas<br />
primeiras palavras do capítulo:<br />
O ano académico na Universidade de<br />
Princeton abre e termina com serviços religiosos.Todososanossaiosdessascerimónias<br />
profundamente emocionada e<br />
com o sentimento que entendo algo profundo<br />
sobre a vida americana.<br />
A seguir, a autora discute a importância<br />
da religião na história americana e o<br />
modo como moldou as instituições e o<br />
discurso público. Mas a religião, entre os<br />
norte-americanos, está associada à liberdadeeátolerância,<br />
e não ao domínio de<br />
um credo sobre os outros; e é esta característica<br />
que afasta os Estados Unidos de<br />
muitos outros países.<br />
A “fé” tem igualmente uma dimensão<br />
secular: “a fé que faz parte da ideia do<br />
queéaAméricaémaisdoqueféreligiosa”.<br />
As suas raízes encontram-se no Iluminismo<br />
europeu, nos filósofos que os<br />
“Pais Fundadores” leram: “Locke, MontesquieueHume”(entreoutros).Estaé<br />
uma fé nas capacidades individuais, no<br />
futuro e na força da “América”. É em<br />
suma, como diz Slaughter, a “audácia da<br />
esperança” (citando o título da auto-biografia<br />
de Obama).<br />
O “asilo da liberdade”<br />
A eleição de Obama simboliza, de certo<br />
modo, a força da esperança no futuro e a<br />
convicção de que o povo americano, através<br />
de um acto voluntário (a eleição), é o<br />
dono do seu futuro e do seu destino. Este<br />
ponto leva-nos a considerar, com mais<br />
detalhe, as duas ideias centrais no pensamento<br />
de Slaughter.<br />
Em primeiro lugar, como nos diz o títulodolivro,a“Américaéumaideia”.<br />
Uma ideia que se apoia num conjunto de<br />
valores fundamentais e na crença no futuro,<br />
o famoso “destino manifesto”. Recordamo-nos<br />
imediatamente no modo como<br />
Thomas Paine definiu a América”, no ano<br />
daRevoluçãode1776,comoo“asilodaliberdade”.<br />
O asilo para onde tantos europeus<br />
(como Paine) tinham fugido das perseguições<br />
religiosas, das tiranias políticas<br />
edapobrezaemisériasocial.Eparaonde<br />
muitos outros, da Ásia, de África e, ainda,<br />
“ Slaughter foi<br />
muito crítica<br />
(sem nunca cair<br />
em radicalismos<br />
excessivos) da<br />
política externa<br />
dos Estados Unidos<br />
durante as<br />
presidências de<br />
George W. Bush.<br />
“TheIdeathat<br />
is America” é<br />
o resultado<br />
dessa reflexão.<br />
O livro “The Idea that is<br />
America: Keeping Faith with<br />
Our Values in a Dangerous<br />
World” (A Ideia da América)<br />
está disponível na Amazon,<br />
tem 272 pá<strong>gina</strong>s e custa<br />
15 euros.<br />
Do ponto de vista dos valores, os objectivos<br />
da administração Obama são, no eeesncial,<br />
semelhantes aos do presidente anterior.<br />
da Europa continuaram a dirigir-se duranteoséculoXX.Quemfogedapobreza<br />
e da perseguição para se tornar próspero e<br />
viver em liberdade, tem que acreditar no<br />
futuro e na sua capacidade para moldar o<br />
destino. Apesar da crise, apesar do suposto<br />
“declínio”, esta herança continua<br />
bem viva nos Estados Unidos.<br />
O facto de milhões de indivíduos, originários<br />
dos quatro cantos do mundo, terem<br />
construído um “asilo de liberdade”<br />
produziu mais duas convicções muito fortes.<br />
Por um lado, os valores, aparentemente,<br />
“americanos” são, na realidade,<br />
universais. Por outro lado, os valores universais<br />
não só “constituem uma ponte [de<br />
regresso] para o mundo”, como consti-