Weekend 1195 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico
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6 | Outlook | Sábado, 5.12.2009<br />
SUCESSO<br />
Chama-se Nini<br />
E o seu nome está nas bocas do mundo. Venceu o prémio de melhor design<br />
de suites com o Hotel The Vine, no Funchal. Mas relativiza. Que outra coisa<br />
pode fazer uma designer que já planeia decorar hotéis no espaço?<br />
TEXTO ÂNGELA MARQUES / FOTOS PAULO ALEXANDRE COELHO<br />
Aacreditar em Paulo de Carvalho,<br />
aos 15 anos Nini vestia<br />
de organdi e dançava,<br />
dançava. Mas já se sabe<br />
como são os artistas – inventam<br />
muito. A verdade é<br />
que aos 15 anos Nini Andrade Silva vivia no<br />
Funchal, longe de Paulo de Carvalho, e<br />
criava, criava. Por essa altura já pensava<br />
fazer uma de três coisas: trabalhar no circo,<br />
ser hospedeira ou designer de interiores.<br />
À sua maneira, hoje consegue ser<br />
tudo. E ainda ganhar prémios.<br />
Por partes: Nini diz que na sua vida,<br />
como no circo, tudo acontece. Que é preciso<br />
um bocadinho de loucura para trabalhar<br />
com ela e perceber que num dia pode<br />
estar ali, no ateliê da Sé de Lisboa (castanho-cosy),<br />
e no outro estar a jantar com<br />
Frank Gerry em Santa Monica. “Há pessoas<br />
que se espantam, mas o Frank Gerry<br />
esteve duas vezes na Madeira e nessas<br />
duas vezes eu estive com ele. Agora combinámos<br />
encontrar-nos.” Não se gaba,<br />
partilha. “As pessoas acham que viver<br />
numa ilha nos fecha. Eu acho que é preciso<br />
perceber que quando as pessoas de fora<br />
vão à ilha vão com outra disposição. E é<br />
preciso aproveitar isso. Conheci pessoas<br />
de todo o mundo lá.”<br />
Por essas e por outras, Nini é uma espécie<br />
de Anita, faz-tudo, vai a todo o lado. E<br />
sente que cumpriu um sonho: também é<br />
hospedeira. “A minha vida é andar no ar.<br />
Ando sempre de avião, estou há um mês<br />
sem ir a casa, só em viagens. Acho que já<br />
sou hospedeira, não?” Sim. “E vivo de hotel.”<br />
Como disse? “Não vou ao Funchal há<br />
um mês e é lá que tenho a minha casa. O<br />
resto vivo de hotel. É por isso que sei fazer<br />
hotéis.” Quando está em Lisboa, passa<br />
muitas vezes a semana num hotel e depois<br />
muda-se para outro no fim de semana.<br />
Outro, mas não outro qualquer. Só fica no<br />
Ritz, no Pestana Palace ou no Fontana Parque,<br />
que decorou.<br />
E é na história de como começou a desenhar<br />
que se percebe como Nini só podia<br />
ser designer (terceiro dos sonhos). “Na escola<br />
fazia os desenhos das minhas colegas.<br />
Levava-os para casaeamãeminhaestranhava.<br />
Perguntava-me porque é que tinha<br />
tantos trabalhos de casa.” Quando teve de<br />
escolher que curso queria tirar, disse à<br />
mãe que queria ser designer. “Ela ainda<br />
me perguntou: tens a certeza de que não<br />
queres ser arquitecta? Eu disse que não,<br />
que queria ser designer e ela acrescentou:<br />
então é isso que tens de fazer.”<br />
Num encontro<br />
de arquitectos<br />
e designers<br />
de interiores,<br />
Nini ouviu uma<br />
frase de que não<br />
se esquece:<br />
“Hoje em dia,<br />
quanto mais ‘cool’<br />
é o quarto mais<br />
difícil é abrir<br />
as cortinas<br />
e acender as luzes.”<br />
E não pode<br />
ser assim, diz.<br />
“Os clientes<br />
não podem sentir<br />
que precisam<br />
de um curso para<br />
sobreviver dentro<br />
do quarto do hotel”<br />
Aos 18 anos Nini mudou-se para Lisboa,<br />
para estudar no IADE. “E adorei. O IADE<br />
ainda era no Palácio de Pombal, no meio<br />
do Chiado. Estávamos em 1980 e tudo<br />
acontecia ali: os pintores estavam ali, as<br />
exposições aconteciam ali.” Adorou, mas<br />
soube-lhe a pouco. Decidiu que tinha de<br />
estudar mais. Foi para os Estados Unidos<br />
(“tinha amigos lá”), depois para a África<br />
do Sul (“para estudar murais e pinturas”),<br />
ainda esteve na Dinamarca (“a estudar arranjos<br />
florais”) e só depois voltou ao Funchal.<br />
Quis aprender para poder mandar:<br />
“Acho que tem de se saber o que se está a<br />
fazer para se poder mandar alguém fazer a<br />
mesma coisa.”<br />
Regressada ao Funchal, decidiu lançar,<br />
com dois sócios, a empresa Esboço. E começou<br />
a decorar casas. Entretanto, a sua<br />
morada já era ponto de paragem obrigatório<br />
no Funchal. “A minha casa fica mesmo<br />
em frente ao mar. O secretário da Cultura<br />
é meu amigo e sempre que lá ia alguém especial<br />
pedia-me para levar lá as pessoas.<br />
Também fui conhecendo muitas pessoas<br />
assim. Hoje a minha casa é conhecida<br />
como o Santuário da Amizade, porque<br />
toda a gente lá vai.”<br />
De dois em dois anos a Esboço abria<br />
uma loja. E das casas Nini passou para os<br />
hotéis. Primeiro pequenos, depois grandes.<br />
Até que o Funchal ficou minúsculo<br />
para tanto sucesso. Nini assumiu o seu<br />
nome como marca e montou um ateliê em<br />
Lisboa (sem deixar a Madeira, onde ainda<br />
hoje tem a maior parte da sua equipa). O<br />
que já corria bem, começou a correr melhor.<br />
Mas Nini sabe porquê. “Sei o que os<br />
clientes querem porque também sou exigente.<br />
Quer dizer, sou péssima. A última<br />
vez que estive em Londres mudei de quarto<br />
três vezes. E via o desespero na cara da<br />
recepcionista. Até lhe disse: compreendo<br />
o seu desespero, mas compreenda também<br />
o meu. As pessoas às vezes não sabem<br />
o que é estar cansada, querer dormir e só<br />
ouvir o barulho do ar condicionado. E os<br />
hotéis têm de ter essas preocupações.”<br />
Mas há mais: para Nini, os quartos têm<br />
de ser funcionais. “Há pouco tempo, num<br />
encontro de arquitectos e designers de interiores<br />
ouvi dizer uma coisa que é mesmo<br />
verdade: hoje em dia, quanto mais ‘cool’ é<br />
o quarto mais difícil é abrir a cortina e<br />
acender as luzes.” E não pode ser, diz. “O<br />
cliente do hotel não pode ficar com a sensação<br />
que precisa de tirar um curso para<br />
ficar ali dentro. Até porque ele quer tecnologia,<br />
mas quer sentir-se bem, quer des-<br />
cansar.” E descansar também quer dizer<br />
dormir. “Uma boa cama é essencial. Os<br />
lençóis têm de ser muito bons. Se o cliente<br />
souber que os lençóis são de algodão egípcio,<br />
até deseja ir para lá dormir.”<br />
É que decorar hotéis não é escolher alcatifas.<br />
Quando se mete num projecto, Nini<br />
trabalha desde o início com os directores<br />
dos hotéis. Foi assim no AquaPura, no<br />
Douro, primeiro hotel que lhe deu notoriedade<br />
em Portugal. Este ano, a decoração<br />
do The Vine valeu-lhe, no início de<br />
Novembro, ficar no top 3 mundial na categoria<br />
de “Interiors and Fit Out” do World<br />
Architecture Festival e ganhar o prémio<br />
de melhor design de suites no European<br />
Hotel Design Awards. Mas os prémios não<br />
são tudo, avisa. “Estar, por exemplo, no<br />
Festival Internacional de Arquitectura,<br />
em Barcelona, já é um prémio.”<br />
E Nini não se limita a estar. Também<br />
gosta de surpreender. “Há pouco tempo<br />
pediram-me para decorar um hotel da Expo.<br />
Eu sugeri algumas alterações, mas disseram-me<br />
que não podia mudar a alma do<br />
hotel. Eu tentei explicar que se podia fazer<br />
alterações sem mudar a alma, mas não me<br />
deixavam. Um dia estava no cabeleireiro e<br />
vi uma peruca. Perguntei se a podia comprar<br />
e levei-a para o hotel. Numa apresentação<br />
de trabalhos perante um júri pus a<br />
peruca. Falei o tempo todo sobre a alma<br />
dos hotéis de peruca posta. Até que, no final,<br />
a tirei. O júri ficou tão surpreendido<br />
que já não sabia se aquela era eu ou não. E<br />
isto serviu para lhes provar que a imagem<br />
pode mudar muitas vezes e a alma ser a<br />
mesma. Ah, também serviu para ganhar<br />
um trabalho em Londres [risos]”<br />
Nini trabalha com uma grande equipa:<br />
trinta pessoas no Funchal e dez em Lisboa.<br />
“Todas um bocadinho loucas. Capazes de<br />
arriscar. Sabem como eu penso e temos<br />
uma linha. E não há impossíveis. Nem<br />
problemas, só soluções.” Por pensarem<br />
também assim, já não se espantam. Um<br />
destes dias, Nini chegou de uma viagem a<br />
dizer que tinha lido no avião que no futuro<br />
será possível construir hotéis no espaço.<br />
Não foi preciso mais nada – começou logo<br />
a fazer planos. E não se escusou a falar deles.<br />
“Trabalho muito na Ásia e tenho um<br />
amigo que sempre me ajudou lá. Um dia<br />
destes, quando soube que um dos meus<br />
planos para o futuro é o de decorar um hotel<br />
no espaço (porque é mesmo, estou a<br />
pensar nisso), disse-me: Nini, as embaixadas<br />
na terra eu ainda conheço, mas<br />
quando for fora da terra...”