Weekend 1195 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico
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10 | Outlook | Sábado, 5.12.2009<br />
A MINHA JANELA<br />
A23 de Novembro, na gala<br />
dos American Music<br />
Awards, a cantora e actriz<br />
Jennifer Lopez, vulgo J-Lo,<br />
caiu de rabo para o ar. Coincidência,<br />
ou não, também<br />
eu fiz a mesma figura três dias antes. O acidente<br />
foi idêntico, mas as diferenças na<br />
queda não podiam ser maiores.<br />
J-Lo subia uma escada humana composta<br />
por dançarinos quase nus, usava calções<br />
minúsculos e justos, e cantava vigorosamente.<br />
No meu caso, levantava-me<br />
discreta e tranquilamente da minha cadeira<br />
para discursar num jantar formal para<br />
investidores em acções japonesas quando<br />
tropecei na mala que havia deixado no<br />
chão e me estatelei de braços e pernas<br />
abertas no meio do chão. Pumba e catrapumba!<br />
O microfone que tinha na lapela<br />
serviu para ilustrar a queda àqueles que,<br />
por estarem mais longe, não a acompanharam<br />
visualmente.<br />
Falar em público é para mim, tal como<br />
para a maioria das pessoas, mais assustador<br />
do que ver um bando de aranhas ou ser<br />
assaltada num beco escuro. O que mais me<br />
horroriza, porém, é a ideia de humilhação,<br />
de falhar redondamente perante uma assistência.<br />
Ou de dar um trambolhão, metaforicamente<br />
falando. O que nunca me tinha<br />
ocorrido é que isso pudesse acontecer<br />
literalmente.<br />
Ao contrário de outras fobias, é perfeitamente<br />
racional ter medo de falar em público.<br />
É raro um discurso correr bem, mesmo<br />
quando o orador se mantém estoicamente<br />
firme até ao fim. Os discursos pós<br />
jantar são um drama, mesmo quando a refeiçãoébemregadaeaassistênciajásucumbiu<br />
ao charme de Baco. O orador só<br />
pensa em duas coisas: quero ir para casa o<br />
mais depressa possível ou gostava de saber<br />
contar piadas. Discursar às massas durante<br />
o dia também não é muito diferente: uns<br />
divertem-se a entreter o tédio enviando e-<br />
-mails, outros jogam no BlackBerry e outros<br />
ainda falam sozinhos ou passam pelas<br />
brasas.<br />
Raros são os homens com talento para<br />
falarem em público. Mas, no caso das mulheres,<br />
é ainda pior. A explicação para este<br />
fenómeno é relativamente simples: as mulheres<br />
não têm jeito para contar piadas, no<br />
entanto, são melhores do que os homens<br />
em termos de auto-conhecimento. Ou<br />
seja, reconhecem que a sua eloquência é<br />
mediana e que a assistência preferia estar<br />
noutro lado a fazer outra coisa. Ora, nada<br />
disto ajuda a melhorar o desempenho do<br />
orador.<br />
Para combater o medo e paralisar o desespero<br />
dou o tudo por tudo para fazer melhor<br />
de cada vez que tenho de passar por<br />
um “filme” destes. Sempre que recebo um<br />
livro novo sobre como falar em público<br />
mergulho imediatamente no capítulo dedicado<br />
às dicas e técnicas da oratória. Na<br />
maior parte dos casos, a primeira recomendação<br />
não foge muito ao “relaxe” e<br />
“seja você mesmo”, o que é uma perfeita<br />
Lucy Kellaway<br />
Como falar<br />
em público sem<br />
dar trambolhões<br />
Falar em público<br />
é para mim, tal<br />
como para a maioria<br />
das pessoas, mais<br />
assustador<br />
do que ver um<br />
bando de aranhas<br />
ou ser assaltada<br />
num beco escuro.<br />
O que mais me<br />
horroriza, porém,<br />
éaideia<br />
de humilhação,<br />
de falhar<br />
redondamente<br />
perante uma<br />
assistência<br />
irresponsabilidade. Isto só serve para<br />
aquela pessoa que, entre milhões, nasceu<br />
eloquente. Para todos os outros ser bom<br />
orador significa muito nervoso miudinho,<br />
nó no estômago e na garganta, e uma grande<br />
dose de teatralidade para parecer natural<br />
e descontraído.<br />
O livro mais recente nesta área intitula-<br />
-se “The Top 100” e contém dicas dos 100<br />
melhores oradores de todos os tempos. Entre<br />
outros mimos revela que o segredo de<br />
Bill Clinton é “inspirar confiança” e que o<br />
de Gandhi era “fugir ao ego”. Até pode ser<br />
verdade, mas de pouco serve para os comuns<br />
mortais. Seria uma veleidade pensarmos<br />
que basta ver um vídeo da obra “O<br />
Cisne Negro” dançada por Nureyev para<br />
estarmos aptos a rodopiar sala fora com a<br />
mesma elegância.<br />
De todas as dicas e conselhos apenas<br />
dois me pareceram úteis. O primeiro é<br />
“praticar, praticar, praticar”. Uma chatice,<br />
como é óbvio, porque consome muito<br />
tempo. Mas não há alternativa. O segundo<br />
é livrarmo-nos de toda uma série de inutilidades.<br />
O Power Point, por exemplo, é<br />
uma muleta inestética e só nos complica a<br />
vida se quisermos dirigir-nos ao público<br />
andando de um lado para o outro na tribuna.<br />
Este ponto inclui também outra regra<br />
de ouro: nunca se deve ler um discurso. Escreva-o,<br />
leia-o as vezes que forem precisas,<br />
interiorize-o e deixe-o em casa no dia<br />
fatídico. Leve consigo apenas algumas notas,<br />
de preferência minimais.<br />
Gostaria de complementar estes dois<br />
conselhos com duas sugestões da minha<br />
lavra, mas alerto desde já para um aspecto<br />
importante e comum às duas: exigem esforço.<br />
A primeira implica perceber se o<br />
orador é realmente chato e se traz consigo<br />
um computador portátil para fazer uma<br />
apresentação em Power Point. A segunda é<br />
escolher a assistência certa. Em tempos,<br />
foi convidada para participar num jantar<br />
que reunia gestores de Recursos Humanos<br />
do Norte de Inglaterra. De que forma? Discursando<br />
depois do jantar. Tarefa titânica,<br />
portanto. Passei dias a ensaiar o dito cujo e<br />
não consegui pregar olho na véspera dado<br />
o nervosismo. Cheguei inclusive a tomar<br />
beta-bloqueadores para domar a ansiedade<br />
e fazer boa figura. Estava tudo previsto.<br />
Foi uma verdadeira desgraça e nem sequer<br />
consegui arrancar um sorriso aos presentes,<br />
quanto mais uma gargalhada. Senti-me<br />
mal semanas a fio, mas agora compreendo<br />
que a culpa foi da assistência. Porquê?<br />
Porque não estavam dispostos a ouvir<br />
uma pespineta da capital a falar sobre as<br />
tendências na área da gestão.<br />
O leitor decerto se pergunta como pude<br />
eu e J-Lo recuperar de tamanho trambolhão.<br />
Ela levantou-se e pôs-se a dançar. No<br />
meu caso, consegui levantar-me com a<br />
ajuda dos organizadores do evento e reaver<br />
o sapato que perdera no momento da queda.<br />
Aí, aproveitei para dizer à assistência<br />
que tinha sido de propósito. Como não<br />
descobrira uma piada para iniciar o discurso,<br />
resolvi improvisar e estrear-me na farsa.<br />
Pareceu-me ouvir algumas gargalhadas<br />
de pura cortesia. Nada mau. Se tivesse<br />
começado o meu discurso contando a únicapiadaqueseidecorteriasidomuito<br />
pior. “Qual é o cúmulo da paciência? Ver<br />
uma corrida de caracóis em câmara lenta”.<br />
Exclusivo Financial Times<br />
Tradução de Ana Pina