Weekend 1195 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico
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Que força é esta?<br />
Os concertos que juntaram José Mário Branco, Sérgio Godinho<br />
e Fausto vão ficar para a memória. De quem lá esteve e quem<br />
comprar “Três Cantos ao Vivo”, duplo álbum com DVD e extras<br />
Uns lamentaram o alinhamento<br />
das canções, muitos<br />
maldisseram o som do concerto,<br />
quase todos culparam<br />
a escolha da sala. Mas à saída<br />
da praça não se achava uma<br />
alma que tivesse dado a noite por perdida. O<br />
Campo Pequeno encheu-se de gente convencida<br />
de que ia viver uma boa memória e<br />
esvaziou-se de gente feliz por ter tido razão.<br />
AreuniãoinéditadeJoséMárioBranco,Sérgio<br />
Godinho e Fausto Bordalo Dias em palco<br />
era um acontecimento à prova de decepção,<br />
mas felizmente foi muito mais que isso. E o<br />
melhor é que todas as falhas que se possam<br />
ter assinalado ao espectáculo saíram completamente<br />
depuradas nesta memória que<br />
dele ficou. “Três Cantos ao Vivo” é uma edição<br />
à medida do momento que regista. Das<br />
quatro noites de reunião dos três cantautores<br />
em Outubro passado – duas no Campo<br />
Pequeno, em Lisboa, outra duas no Coliseu<br />
do Porto - resulta um duplo álbum, mais um<br />
dvd do espectáculo e outro de documentário<br />
(há também a versão apenas com os dois<br />
cd, mas este é um daquele casos em que vale<br />
mesmo a pena perder o amor a mais uns euros).<br />
Comecemos, aliás, pelos extras.<br />
A assinatura do documentário diz alguma<br />
coisa sobre a cumplicidade com que a<br />
câmara olhou para este projecto que já andava<br />
a ser congeminado desde 2003 mas<br />
que só em Maio deste ano ganhou pernas<br />
para andar. Atrás da lente esteve André Godinho,realizador,filhodeSérgioGodinho,e<br />
à frente estiveram os três músicos em conversas<br />
e depoimentos intermeados por uns<br />
escassos minutos de imagens de arquivo e<br />
pouco mais. E é quanto basta para um filme<br />
que, sendo breve, não merece a desconsideração<br />
de ser mencionado apenas como<br />
um extra. Chama-se “Tudo Faz Parte” – título<br />
que apanha boleia do inédito composto<br />
por Sérgio Godinho e por José Mário Branco<br />
propositadamente para esta reunião, “Faz<br />
Parte” – e tem o melhor dos melhores documentários:<br />
uma narrativa impecavelmente<br />
construída e grandes personagens.<br />
E o que fica é uma breve viagem entre os<br />
encontros a três, à volta de uma mesa, à voltadasmúsicas,àvoltadeumcopo,guitarras<br />
no colo a tentar pôr os acordes nas mãos, a<br />
discutir arranjos e a lembrar razões e circunstâncias<br />
que se escondem atrás de cada<br />
um daqueles temas que foram alinhando.<br />
Depois o trabalho num estúdio de ensaio,<br />
já com os 22 músicos que os haveriam de<br />
acompanhar em palco. E pelo meio as conversasasóscomacâmaraeamemóriado<br />
passado a trabalhar ao serviço de um espectáculo<br />
que quis à força ser presente – o primeiro<br />
encontro de Sérgio Godinho e Zé MárioBrancoemParisatempodoMaiode68,o<br />
momento em que José Afonso os descobriu<br />
láeooutroemqueeles,chegadoscá,descobriram<br />
Fausto. E tudo isto tem apoio num<br />
TRÊS CANTOS<br />
–<br />
JOSÉ MÁRIO BRANCO,<br />
SÉRGIO GODINHO<br />
E FAUSTO BORDALO DIAS<br />
–<br />
EMI<br />
Outlook | Sábado, 5.12.2009 | 19<br />
extenso artigo que o jornalista Nuno Pacheco<br />
produziu para o livro da edição, narrando<br />
a génese do projecto e pondo os três a comentar<br />
cada uma das 23 canções que ficaraminscritasnoduploálbum,maisasoutras<br />
que apenas se podem ouvir vendo o dvd e<br />
mais uma ou duas que ficaram apenas para<br />
quem assistiu aos concertos.<br />
E do álbum o que se pode dizer é que é um<br />
belo disco ao vivo, que guarda intacta a<br />
energia das quatro noites – a melhor de<br />
cada uma delas, aliás – com a vantagem de<br />
ter o som que, pelo menos no Campo Pequeno,<br />
ninguém escutou a não ser talvez<br />
quem estava na ‘regie’ de gravação (para os<br />
privilegiados da plateia era amarfanhado,<br />
para os degredados do último balcão era<br />
inaudível).<br />
A soma de tudo isto é um documento valioso<br />
que, como bem sintetizou Rui Tavares<br />
numa crónica que é recuperada para o livro<br />
desta edição, regista o encontro inédito de<br />
três autores que no essencial partilham circunstâncias<br />
históricas e referências artísticas<br />
essenciais – ditadura e revolução, a figura<br />
fundadora de José Afonso –, mas que<br />
sempre tiveram uma voz própria, seguiram<br />
uma trajectória diferenciada, criaram um<br />
universo musical e poético singular e são<br />
hoje, mais do que três pilares essenciais da<br />
música popular portuguesa, três miradouros<br />
para os últimos 40 anos da história do<br />
país. JOÃO PEDRO OLIVEIRA