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Weekend 1195 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico

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36 | Outlook | Sábado, 5.12.2009<br />

ALMANAQUE<br />

Referendos<br />

para que vos queremos<br />

Há uma semana, a Suíça proibiu em referendo a construção<br />

de minaretes nas mesquitas. Há quem diga que foi o medo a votar.<br />

Por cá, recolhem-se assinaturas para levar o casamento gay a votos<br />

TEXTO ÂNGELA MARQUES / ILUSTRAÇÃO GONÇALO VIANA<br />

Se fosse só uma questão de design<br />

e arquitectura, o referendo<br />

que proibiu a construção de<br />

minaretes na Suíça faria facilmente<br />

escola em Portugal:<br />

com a tradição que o país tem<br />

de construir torres e torreões nos jardins de<br />

casa, muito haveria a discutir. Mas não – o<br />

que os suíços votaram não foi o desenho das<br />

torres das mesquitas, mas o seu significado.<br />

E se é verdade que Portugal tem tradição de<br />

arriscar na hora de desenhar as suas vivendas,temmenostradiçãonahoradereferendar.<br />

Esta semana, no entanto, a Plataforma<br />

CidadaniaeCasamentofoiparaasportasdas<br />

igrejas, associações e até estádios de futebol<br />

recolher assinaturas para levar o casamento<br />

gay a votos. Terá sido contágio?<br />

Os títulos dos jornais, como o algodão,<br />

não enganam. Logo após o anúncio dos resultados<br />

do referendo suíço (com 57,5% dos<br />

eleitores, que representam 1,53 milhões de<br />

pessoas, a aprovarem a proibição da construção<br />

de minaretes no país), políticos e<br />

analistas leram-lhe a sentença: este foi “o<br />

voto do medo”. Na hora das reacções, a ministra<br />

da Justiça suíça terá sido a mais branda,<br />

afirmando que o resultado reflectia um<br />

certo receio em relação ao fundamentalismo<br />

islâmico. “Essas preocupações têm de<br />

ser levadas em conta. O governo considera,<br />

porém,quebaniraconstruçãodenovosminaretes<br />

não é um meio fiável para contrariar<br />

oextremismo”,dissearesponsávelàBBC.O<br />

governo considera, mas bane na mesma.<br />

A notícia correu mundo e até o Vaticano<br />

lamentou o “forte golpe à liberdade religiosa”<br />

dado pelos suíços. Que foram também<br />

criticados pela Amnistia Internacional suíça:<br />

“A proibição total de construir minaretes<br />

representa uma violação da liberdade de<br />

religião, incompatível com as convenções<br />

assinadas pelo país.” Ainda assim, o governo<br />

suíço não se comoveu. De resto, mandou<br />

dizer em comunicado que “respeita a decisão<br />

[dos seus cidadãos] e, em consequência<br />

disso, a construção de minaretes deixa de<br />

ser permitida na Suíça”. Nada de estranho,<br />

contudo, uma vez que este referendo foi<br />

promovido pelo Partido Popular Suíço, da<br />

direita conservadora, que domina o parlamento.Eque,segundoosecretário-geralda<br />

Amnistia Internacional, “conseguiu explorar<br />

os medos em relação ao Islão e trazer à<br />

superfície sentimentos xenófobos”.<br />

Escandalizado, o ministro dos Negócios<br />

Estrangeiros francês, Bernard Kouchner,<br />

descreveu o resultado do referendo como<br />

uma “expressão de intolerância”. A presidência<br />

sueca da União Europeia foi mais<br />

longe, considerando a própria realização da<br />

consulta popular “surpreendente”. A ministra<br />

da Integração, Nyambo Sabumi, foi<br />

quem chamou os nomes às coisas: “Os suí-<br />

Por cá,<br />

só a regionalização<br />

e a interrupção<br />

voluntária<br />

da gravidez tiveram<br />

até hoje honras<br />

de referendo.<br />

Mas esta semana<br />

intensificou-se<br />

a campanha para<br />

levar o casamento<br />

civil entre pessoas<br />

do mesma sexo<br />

a consulta popular.<br />

Será que a vontade<br />

de fazer referendos<br />

se pega?<br />

ços têm um excelente sistema de consulta<br />

popular, mas às vezes ele pode ser mal usado,<br />

como aconteceu neste caso.”<br />

CONSULTA (POUCO) POPULAR<br />

Como diz o programa, nós por cá não gostamos<br />

de referendos. “Não se pode comparar<br />

a tradição da Suíçaeanossaemtermos<br />

de referendos”, diz o politólogo João<br />

Cardoso Rosas. Na história da democracia<br />

portuguesa contam-se apenas “o da regionalização<br />

e o da interrupção voluntária da<br />

gravidez”, lembra.<br />

Para Cardoso Rosas, não há grande mistério<br />

aí. A verdade, diz, é que “normalmente<br />

os referendos são algo instrumentalizados.<br />

O que se está a votar ali não é o<br />

que lá está escrito, mas um protesto”. E há<br />

mais: “Também há um certo desconhecimento<br />

dos temas. Se em Portugal se tivesse<br />

feito um referendo sobre a Constituição<br />

Europeia ou sobre o Tratado de Lisboa as<br />

pessoas iriam votar sem saber no que estavam<br />

a votar. E haveria tendência para votar<br />

em termos de terrenos políticos.” Por<br />

estas e por outras, “o referendo acaba por<br />

perder o seu interesse”, diz João Cardoso<br />

Rosas. Que sublinha ainda, para concluir o<br />

seu raciocínio, que daí resulta um “elevadíssimo<br />

grau de abstenção”.<br />

Se “as experiências feitas no passado não<br />

foram satisfatórias”, não há razão para pensar<br />

que o instituto do referendo pode ganhar<br />

pesonademocraciaportuguesaàcustadeste<br />

episódio na Suíça. Não? A questão não é disparatada:<br />

a Comissão Europeia foi a primeira<br />

a levantar essa hipótese. Para logo depois<br />

lembrar aos Estados-membros que se possamsentirtentadosaseguirospassosdaSuíçaearealizar<br />

referendos do mesmo tipo que<br />

é sempre necessário “respeitar os direitos<br />

fundamentaiscomoaliberdadedereligião”.<br />

Claro que a tentação não demorou a manifestar-se.<br />

Na Holanda, um deputado de<br />

extrema-direita apelou à realização de um<br />

referendo sobre os mesmos minaretes no<br />

seu país. Em Itália e em França também<br />

houve quem se congratulasse com o resultado.“Fazendodeadvogadododiabo”,o<br />

politólogo André Freire afirma que “há que<br />

perceber que não é por causa dos minaretes<br />

que se faz este referendo. Há de facto uma<br />

islamização da Europa e isso deve ser encaradosemcairmoscompletamentenopoliticamente<br />

correcto. Não vamos dizer que a<br />

presença islâmica na Europa é idílica. Por<br />

outro lado, sabemos que também não são os<br />

minaretes que vão resolver alguma coisa.”<br />

E o referendo, resolve? “A democracia não<br />

são só eleições, deve haver um instrumento<br />

de ‘check and balance’. E a Suíça tem isso:<br />

uma democracia assente na vontade popular.<br />

Há essa tradição e essas são as regras.”<br />

Para Jaime Nogueira Pinto, “os suíços são

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