toda coberta de ouro e prata e descobriu o rosto deixando ver o que tinha no fundo. EMacunaíma enxergou lá no fundo uma cunhã lindíssima, alvinha e padeceu de mais vontade. Ea cunhã lindíssima era a Uiara.Vinha chegando assim como quem não quer, com muitas danças, piscava pro herói, pareciaque dizia – “Cai fora, seu nhonhô moço!” e fastava com muitas danças assim como quem nãoquer. Deu uma vontade no herói tão imensa que alargou o corpo dele e a boca umideceu:– Mani!...Macunaíma queria a dona. Botava o dedão n’água e num átimo a lagoa tornava a cobrir orosto com as teias de ouro e prata. Macunaíma sentia o frio da água, retirava o dedão.Foi assim muitas vezes. Se aproximava o pino do dia e Vei estava zangadíssima. Torcia praMacunaíma cair nos braços traiçoeiros da moça do lagoão e o herói tinha medo do frio. Veisabia que a moça não era moça não, era a Uiara. E a Uiara vinha chegando outra vez commuitas danças. Que boniteza que ela era!... Morena e coradinha que nem a cara do dia e feito odia que vive cercado de noite, ela enrolava a cara nos cabelos curtos negros negros como as asasda graúna. Tinha no perl duro um narizinho tão mimoso que nem servia pra respirar. Porémcomo ela só se mostrava de frente e fastava sem virar Macunaíma não via o buraco no cangotepor onde a pérda respirava. E o herói indeciso, vai-não-vai. Sol teve raiva. Pegou num rabode-tatude calorão e guascou o lombo do herói. A dona ali, diz-que abrindo os braços mostrandoa graça fechando os olhos molenga. Macunaíma sentiu fogo no espinhaço, estremeceu, fezpontaria, se jogou feito em cima dela, juque! Vei chorou de vitória. As lágrimas caíram na lagoanum chuveiro de ouro e de ouro. Era o pino do dia.Quando Macunaíma voltou na praia se percebia que brigara muito lá no fundo. Ficou debruços um tempão com a vida dependurada nos respiros fatigados. Estava sangrando commordidas pelo corpo todo, sem perna direita, sem os dedões sem os cocos-da-Baía, sem orelhassem nariz sem nenhum dos seus tesouros. Anal pôde se erguer. Quando deu tento das perdasteve ódio de Vei. A galinha cacarejava deixando um ovo na praia. Macunaíma pegou nele echimpou-o no carão feliz da Sol. O ovo esborrachou bem nas bochechas dela que sujou-se deamarelo pra todo o sempre. Entardecia.Macunaíma sentou numa lapa que já fora jabuti nos tempos de dantes e andou contando ostesouros perdidos embaixo d’água. E eram muitos, era uma perna os dedões, eram os cocos-da-Baía, eram as orelhas os dois brincos feitos com a máquina patek e a máquina smith-wesson, onariz, todos esses tesouros... O herói pulou dando um grito que encurtou o tamanho do dia. Aspiranhas tinham comido também o beiço dele e a muiraquitã! Ficou feito louco.Arrancou uma montanha de timbó de açacu de tingui de cunambi, todas essas plantas eenvenenou pra sempre o lagoão. Todos os peixes morreram e caram boiando com a barrigapra cima, barrigas azuis barrigas amarelas barrigas rosadas, todas as barrigas sarapintando a faceda lagoa. Era de-tardinha.Então Macunaíma destripou todos esses peixes, todas as piranhas e todos os botos,
caqueando a muiraquitã nas barrigadas. Foi uma sangueira mãe escorrendo sobre a terra e tudoficou tinto de sangue. Era a boca-da-noite.Macunaíma campeava campeava. Achou os dois brincos achou os dedões achou as orelhas osnuquiiris o nariz, todos esses tesouros e prendeu todos nos lugares deles com sapé e cola depeixe. Porém a perna e a muiraquitã não achou não. Tinham sido engolidos pelo MonstroUrurau que não morre com timbó nem pau. O sangue coalhara negro cobrindo a praia e olagoão. E era de-noite.Macunaíma campeava campeava. Soltava gritos de lamentação encurtando com a bulha otamanho da bicharada. Nada. O herói varava o campo, saltando na perna só. Gritava:– Lembrança! Lembrança da minha marvada! não vejo nem ela nem você nem nada!E pulava mais. As lágrimas pingavam dos olhinhos azuis dele sobre as orzinhas brancas docampo. As orzinhas tingiram de azul e foram os miosótis. O herói não podia mais, parou.Cruzou os braços num desespero tão heróico que tudo se alargou no espaço pra conter o silênciodaquele penar. Só um mosquitinho raquitiquinho infernizava inda mais a disgra do herói,zumbindo fininho: “Vim di Minas... vim di Minas...”Então Macunaíma não achou mais graça nesta terra. Capei bem nova relumeava lá nagupiara do céu. Macunaíma cismou inda meio indeciso, sem saber si ia morar no céu ou na ilhade Marajó. Um momento pensou mesmo em morar na cidade da Pedra com o enérgicoDelmiro Gouveia, porém lhe faltou ânimo. Pra viver lá, assim como tinha vivido era impossível.Até era por causa disso mesmo que não achava mais graça na Terra... Tudo o que fora aexistência dele apesar de tantos casos tanta brincadeira tanta ilusão tanto sofrimento tantoheroísmo, anal não fora sinão um se deixar viver; e pra parar na cidade do Delmiro ou na ilhade Marajó que são desta terra carecia de ter um sentido. E ele não tinha coragem pra umaorganização. Decidiu:– Qual o quê!... Quando urubu está de caipora o de baixo caga no de cima, este mundo nãotem jeito mais e vou pro céu!Ia pro céu viver com a marvada. Ia ser o brilho bonito mas inútil porém de mais umaconstelação. Não fazia mal que fosse brilho inútil não, pelo menos era o mesmo de todos essesparentes, de todos os pais dos vivos da sua terra, mães, pais manos cunhãs cunhadas cunhatãs,todos esses conhecidos que vivem agora do brilho inútil das estrelas.Plantou uma semente do cipó matamatá, lho-da-luna, e enquanto o cipó crescia agarrounuma itá pontuda e escreveu na laje que já fora jabuti num tempo muito de dantes:NÃO VIM NO MUNDO PARA SER PEDRAA planta já tinha crescido e se agarrava numa ponta de Capei. O herói capenga enou agaiola dos legornes no braço e foi subindo pro céu. Cantava triste:“Vamos dar a despedida,– Taperá,Talequal o passarinho,
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trapoerabas da serrapilheira, ele b
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Macunaíma estava muito contrariado
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planta é que a gente cura muita do
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No outro dia bem cedo o herói pade
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- Si... si... si a boboiúna aparec
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tempo. Chorava muito tempo. As lág
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No outro dia Macunaíma pulou cedo
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tecedeira inesquecível. Macunaíma
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Maanape sabia do perigo e murmurou:
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imaginando que carecia da máquina
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Maanape gostava muito de café e Ji
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uma muiraquitã com forma de jacar
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da cidade de Serra no Espírito San
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Tia Ciata cantava o nome do santo q
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Macunaíma ia seguindo e topou com
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Que o tatu prepare a covaDos seus d
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descuidàmos do nosso talismã, por
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ao gosto dos nativos, mordendo os h
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desejava saber as línguas da terra
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Bateu um ventarrão tamanho que o f
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- Eu menti.Todos os vizinhos caram
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