Macunaíma provou pela primeira vez o cachiri temível cujo nome é cachaça. Provou estalandocom a língua feliz e deu uma grande gargalhada.Depois da bebida, entre bebidas, seguiram as rezas de invocação. Todos estavam inquietosardentes desejando que um santo viesse na macumba daquela noite. Fazia já tempo quenenhum não vinha por mais que os outros pedissem. Porque a macumba da tia Ciata não eraque nem essas macumbas falsas não, em que sempre o pai-de-terreiro ngia vir Xangô Oxossequalquer, pra contentar os macumbeiros. Era uma macumba séria e quando santo aparecia,aparecia de deveras sem nenhuma falsidade. Tia Ciata não permitia dessas desmoralizações dozungu dela e fazia mais de doze meses que Ogum nem Exu não apareciam no Mangue. Todosdesejavam que Ogum viesse. Macunaíma queria Exu só pra se vingar de Venceslau PietroPietra.Entre golinhos de abrideira, uns de joelhos outros de quatro, todas essas gentes seminuasrezavam em torno da feiticeira pedindo a aparição dum santo. À meia-noite foram lá dentrocomer o bode cuja cabeça e patas já estavam lá no peji, na frente da imagem de Exu que era umtacuru de formiga com três conchas fazendo olhos e boca. O bode fora morto em honra dodiabo e salgado com pó de chifre e esporão de galo-de-briga. A mãe-de-santo puxou acomilança com respeito e três pelo-sinais de atravessado. Toda a gente vendedores bibliólospés-rapados acadêmicos banqueiros, todas essas gentes dançando em volta da mesa cantavam:“Bamba querêSai AruêMongi gongôSai OrobôÊh!...Ô mungunzáBom acaçáVancê nhamanjaDe pai Guenguê,Êh!...”E conversando pagodeando devoraram o bode consagrado e cada qual buscando o garrafãode pinga dele porque ninguém não podia beber no de outro, todos beberam muita caninha,muita! Macunaíma dava grandes gargalhadas e de repente derrubou vinho na mesa. Era sinalde alegrão pra ele e todos imaginavam que o herói era o predestinado daquela noite santa. Nãoera não.Nem bem reza recomeçou se viu pular no meio da saleta uma fêmea obrigando todos asilêncio com o gemido meio choro e puxar canto novo. Foi um tremor em todos e as velasjogaram a sombra da cunhã que nem monstro retorcido pro canto do teto, era Exu! Ogãpelejava batendo tabaque pra perceber os ritmos doidos do canto novo, canto livre, de notasafobadas cheio de saltos difíceis, êxtase maluco baixinho tremendo de fúria. E a polaca muito
pintada na cara, com as alças da combinação arrebentadas, estremecia no centro da saleta, jácom as gorduras quase inteiramente nuas. Os peitos dela balangavam batendo nos ombros nacara e depois na barriga, juque! com estrondo. E a ruiva cantando cantando. Afinal a espuminharolou dos beiços desmanchados, ela deu um grito que diminuiu o tamanhão da noite mais, caiuno santo e ficou dura.Passou um tempo de silêncio sagrado. Então tia Ciata se levantou da tripeça que umamazombinha substituiu no sufragante por um banco novo nunca sentado, agora pertencendopra outra. A mãe-de-terreiro veio vindo veio vindo. Ogã vinha com ela. Todos os outrosestavam de-pé se achatando nas paredes. Só tia Ciata veio vindo veio vindo e chegou junto docorpo duro da polaca no centro da saleta ali. A feiticeira tirou a roupa, cou nua, só com oscolares os braceletes os brincos de contas de prata pingando nos ossos. Foi tirando da cuia queogã pegava o sangue coalhado do bode comido e esfregando a pasta na cabeça da babalaô. Masquando derramou o efém verdento em riba, a dura se estorceu gemida e o cheiro iodadoembebedou o ambiente. Então a mãe-de-santo entoou a reza sagrada do Exu, melopéiamonótona.Quando acabou, a fêmea abriu os olhos, principiou se movendo bem diferente de já-hoje enão era mais fêmea era o cavalo do santo, era Exu. Era Exu, o romãozinho que viera ali comtodos pra macumbar.O par de nuas executava um jongo improvisado e festeiro que ritmavam os estralos dos ossosda tia, os juques dos peitos da gorda e o ogã com batidos chatos. Todos estavam nus também ese esperava a escolha do Filho de Exu pelo grande Cão presente. Jongo temível... Macunaímafremia de esperança querendo o cariapemba pra pedir uma tunda em Venceslau Pietro Pietra.Não se sabe o que deu nele de supetão, entrou gingando no meio da sala derrubou Exu e caiupor cima brincando com vitória. E a consagração do Filho de Exu novo era celebrada porlicenças de todos e todos se urarizaram em honra do filho novo do icá.Terminada a cerimônia o diabo foi conduzido pra tripeça, principiando a adoração. Osladrões os senadores os jecas os negros as senhoras os futebóleres, todos, vinham se rojando pordebaixo do pó alaranjando a saleta e depois de batida a cabeça com o lado esquerdo no chão,beijavam os joelhos beijavam todo o corpo do uamoti. A polaca vermelha tremendo rijapingando espuminha da boca em que todos molhavam o mata-piolho pra se benzerem deatravessado, gemia uns roncos regougados meio choro meio gozo e não era polaca mais, eraExu, o jurupari mais macanudo daquela religião.Depois que todos beijaram adoraram e se benzeram muito, foi a hora dos pedidos epromessas. Um carniceiro pediu pra todos comprarem a carne doente dele e Exu consentiu. Umfazendeiro pediu pra não ter mais saúva nem maleita no sítio dele e Exu se riu falando que issonão consentia não. Um namorista pediu pra pequena dele conseguir o lugar de professoramunicipal para casarem e Exu consentiu. Um médico fez um discurso pedindo pra escrever commuita elegância a fala portuguesa e Exu não consentiu. Assim. Anal veio a vez de Macunaíma
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vinha a cantiga peguenta das uiaras
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carrapatos e dormiu. Tarde chegando
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gaiola enada no braço dele ia bate
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pegou, Macunaíma fez um esforço h
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No outro dia o boi estava podre. En
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Macunaíma se arrastou até a taper
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valentes das noites de amor que o b
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caqueando a muiraquitã nas barriga
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tanto penar na terra sem saúde e c
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Acabou-se a história e morreu a vi
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PREFÁCIOEvidentemente não tenho a
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