A RAIMUNDO MORAESMeu ilustre e sempre recordado escritor.Não imagina a intensa e comovida surpresa com que ontem, no segundo volume do seu Meudicionário de cousas da Amazônia ao ler na página 146 o verbete sobre eodor KockGrunberg (naturalmente o sr. se refere a Koch-Grünberg, ou em nossa letra, Koch-Gruenberg), topei com a referência a meu nome e a defesa que faz de mim. Mas como estaminha carta é pública pra demonstrar a admiração elevada que tenho pelo escritor de Naplanície amazônica, acho melhor citar o trecho do seu livro pra que os leitores se inteirem doque se trata:Os maldizentes armam que o livro Macunaíma do festejado escritor Mário de Andrade é todo inspirado no Vom Roroimazum Orinoco do sábio (Koch-Gruenberg). Desconhecendo eu o livro do naturalista germânico, não creio nesse boato, pois oromancista patrício, com quem privei em Manaus, possui talento e imaginação que dispensam inspirações estranhas.Ora apesar de toda a minha estilizada, exterior e conscientemente praticada humildade, me élícito imaginar que, embora o sr. não acredite na malvadeza desses maldizentes, sempre aarmativa deles calou no seu espírito, pois garante o boato pra garantir com incontestávelexagero o meu valor. Sempre tive a experiência da sua generosidade, mas não deixou de mecausar alguma pena que o seu espírito sempre alcandorado na admiração dos grandes,preocupado com sucurijus tão tamanhas e absorventes como Hartt, Gonçalves Dias,Washington Luís, José Júlio de Andrade, presidentes, interventores, Ford e Fordlândia, seinquietasse por um pium tão gito que nem eu. E para apagar do seu espírito essa inquietaçãotomo a desesperada ousadia de lhe confessar o que é o meu Macunaíma.O sr., muito melhor do que eu, sabe o que são os rapsodos de todos os tempos. Sabe que oscantadores nordestinos, que são nossos rapsodos atuais, se servem dos mesmos processos doscantadores da mais histórica antiguidade, da Índia, do Egito, da Palestina, da Grécia,transportam integral e primariamente tudo o que escutam e lêem pros seus poemas, se limitandoa escolher entre o lido e o escutado e a dar ritmo ao que escolhem pra que caiba nas cantorias.Um Leandro, um Ataíde nordestinos, compram no primeiro sebo uma gramática, umageograa, ou o jornal do dia, e compõem com isso um desao de sabença, ou um romancetrágico de amor, vivido no Recife. Isso é o Macunaíma e esses sou eu.Foi lendo de fato o genial etnógrafo alemão que me veio a idéia de fazer do Macunaíma umherói, não de “romance” no sentido literário da palavra, mas de “romance” no sentido folclóricodo termo. Como o sr. vê não tenho mérito nenhum nisso, mas apenas a circunstância ocasionalde, num país onde todos dançam e nem Spix e Martius, nem Schlichthorst, nem von denSteinen estão traduzidos, eu dançar menos e curiosear nas bibliotecas gastando o meu trocomiudinho, miudinho, de alemão. Porém Macunaíma era um ser apenas do extremo-norte esucedia que a minha preocupação rapsódica era um bocado maior que esses limites. Oracoincidindo essa preocupação com conhecer intimamente um Teschauer, um Barbosa
Rodrigues, um Hartt, um Roquette Pinto, e mais umas três centenas de contadores do Brasil,dum e de outro fui tirando tudo o que me interessava. Além de ajuntar na ação incidentescaracterísticos vistos por mim, modismos, locuções, tradições ainda não registradas em livro,fórmulas sintáticas, processos de pontuação oral, etc. de falas de índio, ou já brasileiras, temidase refugadas pelos geniais escritores brasileiros da formosíssima língua portuguesa.Copiei, sim, meu querido defensor. O que me espanta e acho sublime de bondade é osmaldizentes se esquecerem de tudo quanto sabem, restringindo a minha cópia a Koch-Gruenberg, quando copiei todos. E até o sr. na cena da Boiúna. Confesso que copiei, copiei àsvezes textualmente. Quer saber mesmo? Não só copiei os etnógrafos e os textos ameríndios,mais ainda, na Carta pras icamiabas, pus frases inteiras de Rui Barbosa, de Mário Barreto, doscronistas portugueses coloniais, e devastei a tão preciosa quão solene língua dos colaboradoresda Revista de Língua Portuguesa. Isso era inevitável pois que o meu... isto é, o herói de Koch-Gruenberg, estava com pretensões a escrever um português de lei. O sr. poderá me contradizerarmando que no estudo etnográco do alemão, Macunaíma jamais teria pretensões a escreverum português de lei. Concordo, mas nem isso é invenção minha pois que é uma pretensãocopiada de 99 por cento dos brasileiros! Dos brasileiros alfabetizados.Enm, sou obrigado a confessar duma vez por todas: eu copiei o Brasil, ao menos naquelaparte em que me interessava satirizar o Brasil por meio dele mesmo. Mas nem a idéia desatirizar é minha pois já vem desde Gregório de Matos, puxa vida! Só me resta pois o acaso dosCabrais que por terem em provável acaso descoberto em provável primeiro lugar o Brasil, oBrasil pertenceu a Portugal. Meu nome está na capa do Macunaíma e ninguém o poderá tirar.Mas só por isso apenas o Macunaíma é meu. Fique sossegado. E certo de que tem em mim umquotidiano admirador.MÁRIO DE ANDRADENOTA DA EDIÇÃOCarta-aberta publicada por Mário de Andrade no Diário Nacional, a. 5, nº 1.262. São Paulo, domingo, 20 set. 1931, p. 3.
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trapoerabas da serrapilheira, ele b
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No outro dia Macunaíma pulou cedo
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Maanape sabia do perigo e murmurou:
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desejava saber as línguas da terra
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tanta água.- Vam’bora, gente!E t
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Os manos levaram um susto.- Que foi
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O ticotico era pequetitinho e o chu
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