E estava lindíssimo na Sol da lapa os três manos um loiro um vermelho outro negro, de pébem erguidos e nus. Todos os seres do mato espiavam assombrados. O jacareúna o jacaretinga ojacaré-açu o jacaré-ururau de papo amarelo, todos esses jacarés botaram os olhos de rochedo prafora d’água. Nos ramos das ingazeiras das aningas das mamoranas das embaúbas dos catauarisde beira-rio o macaco-prego o macaco-de-cheiro o guariba o bugio o cuatá o barrigudo o coxiúo cairara, todos os quarenta macacos do Brasil, todos, espiavam babando de inveja. E os sabiás,o sabiacica o sabiapoca o sabiaúna o sabiapiranga o sabiagongá que quando come não me dá, osabiá-barranco o sabiá-tropeiro o sabiá-laranjeira o sabiá-gute, todos esses caram pasmos eesqueceram de acabar o trinado, vozeando vozeando com eloqüência. Macunaíma teve ódio.Botou as mãos nas ancas e gritou pra natureza:– Nunca viu não!Então os seres naturais debandaram vivendo e os três manos seguiram caminho outra vez.Porém entrando nas terras do igarapé Tietê adonde o burbom vogava e a moeda tradicionalnão era mais cacau, em vez, chamava arame contos contecos milréis borós tostão duzentorréisquinhentorréis, cinqüenta paus, noventa bagarotes, e pelegas cobres xenxéns caraminguás selosbicos-de-coruja massuni bolada calcáreo gimbra siridó bicha e pataracos, assim, adonde até ligapra meia ninguém comprava nem por vinte mil cacaus. Macunaíma cou muito contrariado.Ter de trabucar, ele, herói!... Murmurou desolado:– Ai! que preguiça!...Resolveu abandonar a empresa, voltando pros pagos de que era imperador. Porém Maanapefalou assim:– Deixa de ser aruá, mano! Por morrer um carangueijo o mangue não bota luto não! quediacho! desanima não que arranjo as coisas!Quando chegaram em São Paulo, ensacou um pouco do tesouro pra comerem ebarganhando o resto na Bolsa apurou perto de oitenta contos de réis. Maanape era feiticeiro.Oitenta contos não valia muito mas o herói refletiu bem e falou pros manos:– Paciência. A gente se arruma com isso mesmo, quem quer cavalo sem tacha anda de a-pé...Com esses cobres é que Macunaíma viveu.E foi numa boca-da-noite fria que os manos toparam com a cidade macota de São Pauloesparramada a beira-rio do igarapé Tietê. Primeiro foi a gritaria da papagaiada imperial sedespedindo do herói. E lá se foi o bando sarapintado volvendo pros matos do norte.Os manos entraram num cerrado cheio de inajás ouricuris ubuçus bacabas mucajás miritistucumãs trazendo no curuatá uma penachada de fumo em vez de palmas e cocos. Todas asestrelas tinham descido do céu branco de tão molhado de garoa e banzavam pela cidade.Macunaíma lembrou de procurar Ci. Êh! dessa ele nunca poderia esquecer não, porque a redefeiticeira que ela armara pros brinquedos fora tecida com os próprios cabelos dela e isso torna a
tecedeira inesquecível. Macunaíma campeou campeou mas as estradas e terreiros estavamapinhados de cunhãs tão brancas tão alvinhas, tão!... Macunaíma gemia. Roçava nas cunhãsmurmurejando com doçura: “Mani! Mani! lhinhas da mandioca...” perdido de gosto e tantaformosura. Anal escolheu três. Brincou com elas na rede estranha plantada no chão, numamaloca mais alta que a Paranaguara. Depois, por causa daquela rede ser dura, dormiu deatravessado sobre os corpos das cunhãs. E a noite custou pra ele quatrocentos bagarotes.A inteligência do herói estava muito perturbada. Acordou com os berros da bicharia láembaixo nas ruas, disparando entre as malocas temíveis. E aquele diacho de sagüi-açu que ocarregara pro alto do tapiri tamanho em que dormira... Que mundo de bichos! que despropósitode papões roncando, mauaris juruparis sacis e boitatás nos atalhos nas socavas nas cordas dosmorros furados por grotões donde gentama saía muito branquinha branquíssima, de certo alharada da mandioca!... A inteligência do herói estava muito perturbada. As cunhãs rindotinham ensinado pra ele que o sagüi-açu não era sagüim não, chamava elevador e era umamáquina. De-manhãzinha ensinaram que todos aqueles piados berros cuquiadas sopros roncosesturros não eram nada disso não, eram mas clácsons campainhas apitos buzinas e tudo eramáquina. As onças pardas não eram onças pardas, se chamavam fordes hupmobiles chevrolésdodges mármons e eram máquinas. Os tamanduás os boitatás as inajás de curuatás de fumo, emvez eram caminhões bondes autobondes anúncios-luminosos relógios faróis rádios motocicletastelefones gorjetas postes chaminés... Eram máquinas e tudo na cidade era só máquina! O heróiaprendendo calado. De vez em quando estremecia. Voltava a car imóvel escutando assuntandomaquinando numa cisma assombrada. Tomou-o um respeito cheio de inveja por essa deusa dedeveras forçuda, Tupã famanado que os lhos da mandioca chamavam de Máquina, maiscantadeira que a Mãe-d’água, em bulhas de sarapantar.Então resolveu ir brincar com a Máquina pra ser também imperador dos lhos da mandioca.Mas as três cunhãs deram muitas risadas e falaram que isso de deuses era uma gorda mentiraantiga, que não tinha deus não e que com a máquina ninguém não brinca porque ela mata. Amáquina não era deus não, nem possuía os distintivos femininos de que o herói gostava tanto.Era feita pelos homens. Se mexia com eletricidade com fogo com água com vento com fumo, oshomens aproveitando as forças da natureza. Porém jacaré acreditou? nem o herói! Se levantouna cama e com um gesto, esse sim! bem guaçu de desdém, tó! batendo o antebraço esquerdodentro do outro dobrado, mexeu com energia a munheca direita pras três cunhãs e partiu. Nesseinstante, falam, ele inventou o gesto famanado de ofensa: a pacova.E foi morar numa pensão com os manos. Estava com a boca cheia de sapinhos por causadaquela primeira noite de amor paulistano. Gemia com as dores e não havia meios de sarar atéque Maanape roubou uma chave de sacrário e deu pra Macunaíma chupar. O herói chupouchupou e sarou bem. Maanape era feiticeiro.Macunaíma passou então uma semana sem comer nem brincar só maquinando nas brigassem vitória dos lhos da mandioca com a Máquina. A Máquina era que matava os homens
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Os manos levaram um susto.- Que foi
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vinha a cantiga peguenta das uiaras
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carrapatos e dormiu. Tarde chegando
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gaiola enada no braço dele ia bate
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pegou, Macunaíma fez um esforço h
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No outro dia o boi estava podre. En
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Macunaíma se arrastou até a taper
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valentes das noites de amor que o b
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caqueando a muiraquitã nas barriga
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tanto penar na terra sem saúde e c
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Acabou-se a história e morreu a vi
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1 º PREFÁCIOEste livro carece dum
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em que trabalho porém não tenho c
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PREFÁCIOEvidentemente não tenho a
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