e muito afeita ás agruras da guerra. Vivem em combates singulares e colectivos, todos armadosda cabeça aos pés; assim assaz numerosos são os distúrbios por cá, em que, não raro, tombam naarena da luta, centenas de milhares de heróis, chamados bandeirantes.Pelo mesmo motivo São Paulo está dotada de mui aguerrida e vultuosa Polícia, que habitapalácios brancos de custosa engenharia. A essa Polícia compete ainda equilibrar os excessos dariqueza pública, por se não desvalorizar o oiro incontável da Nação; e tal diligéncia empreganesse afã, que, por todos os lados devora os dinheiros nacionais, quer em paradas e roupagensluzidas, quer em ginásticas da recomendável Eugénia, que inda não tivemos o prazer deconhecermos; quer nalmente atacando os incautos burgueses que regressam do seu teatro, doseu cinema, ou dão a sua volta de automóvel pelos vergéis amenos que circundam a capital. Aessa Polícia ainda lhe compete divertir a classe das criadinhas paulistanas; e para seu lustre sediga que o faz com jornaleiro préstimo, em parques, construídos “ad hoc”, tais como o parque deDom Pedro Segundo e o Jardim da Luz. E quando o numerário dessa Polícia avulta, são os seushomens enviados para as rechãs longínquas e menos férteis da pátria, para serem devorados porsúcias de gigantes antropófagos, que infestam a nossa geograa, na inglória tarefa de ruir porterra Governos honestos; e de pleno gosto e assentimento geral da população, como sedescrimina das urnas e dos ágapes governamentais. Esses mazorqueiros pegam nos polícias,assam-nos e comem-nos ao jeito alemão; e as ossadas caídas na terra maninha são excelenteadubo de futuros cafezais.Assim tão bem organizados vivem e prosperam os paulistas na mais perfeita ordem eprogresso; e lhes não é escasso o tempo para construírem generosos hospitais, atraindo para cátodos os leprosos sulamericanos, mineiros, paraibanos, peruanos, bolivianos, chilenos,paraguaios, que, antes de ir morarem nesses lindíssimos leprosários, e serem servidos por donasde duvidosa e decadente beldade – sempre donas! – animam as estradas do Estado e as ruas dacapital, em garridas comitivas eqüestres ou em maratonas soberbas que são o orgulho de nossaraça desportiva, em cujo conspeito pulsa o sangue das heróicas bigas e quadrigas latinas!Porém, senhoras minhas! Inda tanto nos sobra, por este grandioso país, de doenças einsectos por cuidar!... Tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelomorbo e pelos miriápodes! Em breve seremos novamente uma colónia da Inglaterra ou daAmérica do Norte!... Por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única genteútil do país, e por isso chamados de locomotivas, nos demos ao trabalho de metricarmos umdístico, em que se encerram os segredos de tanta desgraça:“POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA,OS MALES DO BRASIL SÃO.”Este dístico é que houvemos por bem escrevermos no livro de Visitantes Ilustres do InstitutoButantã, quando foi da nossa visita a esse estabelecimento famoso na Europa.Moram os paulistanos em palácios alterosos de cinqüenta, cem e mais andares, a que, nasépocas da procriação, invadem umas nuvens de mosquitos pernilongos, de vária espécie, muito
ao gosto dos nativos, mordendo os homens e as senhoras com tanta propriedade nos seusdistintivos, que não precisam eles e elas das cáusticas urtigas para as massagens de excitação, talcomo entre selvícolas é de uso. Os pernilongos se encarregam dessa faina; e obram tais milagresque, nos bairros miseráveis, surge anualmente uma incontável multidão de rapazes e raparigasbulhentos, a que chamamos “italianinhos”; destinados a alimentarem as fábricas dos áureospotentados, e a servirem, escravos, o descanso aromático dos Cresos.Estes e outros multimilionários é que ergueram em torno da urbs as doze mil fábricas deseda, e no recesso dela os famosos Cafés maiores do mundo, todos de obra de talha emjacarandá folhado de oiro, com embutidos de salsas tartarugas.E o Palácio do Governo é todo de oiro, á feição dos da Rainha do Adriático; e, emcarruagens de prata, forradas de peles níssimas, o Presidente, que mantém muitas esposas,passeia, ao cair das tardes, sorrindo com vagar.De outras e muitas grandezas vos poderíamos ilustrar, senhoras Amazonas, não foraperlongar demasiado esta epístola; todavia, com armar-vos que esta é, por sem dúvida, a maisbela cidade terráquea, muito hemos feito em favor destes homens de prol. Mas cair-nos-íam asfaces, si ocultáramos no siléncio, uma curiosidade original deste povo. Ora sabereis que a suariqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra.Assim chegado a estas plagas hospitalares, nos demos ao trabalho de bem nos inteirarmos daetnologia da terra, e dentre muita surpresa e assombro que se nos deparou, por certo não foi dasmenores tal originalidade lingüística. Nas conversas utilizam-se os paulistanos dum linguajarbárbaro e multifário, crasso de feição e impuro na vernaculidade, mas que não deixa de ter o seusabor e força nas apóstrofes, e também nas vozes do brincar. Destas e daquelas nos inteiràmos,solícito; e nos será grata empresa vô-las ensinarmos aí chegado. Mas si de tal desprezível línguase utilizam na conversação os naturais desta terra, logo que tomam da pena, se despojam detanta asperidade, e surge o Homem Latino, de Lineu, exprimindo-se numa outra linguagem,mui próxima da vergiliana, no dizer dum panegirista, meigo idioma, que, com imperecívelgalhardia, se intitula: língua de Camões! De tal originalidade e riqueza vos há-de ser grato tersciéncia, e mais ainda vos espantareis com saberdes, que á grande e quasi total maioria, nemessas duas línguas bastam, senão que se enriquecem do mais lídimo italiano, por mais musical egracioso, e que por todos os recantos da urbs é versado. De tudo nos inteiràmossatisfactoriamente, graças aos deuses; e muitas horas hemos ganho, discreteando sobre o z dotermo Brazil e a questão do pronome “se”. Outrossim, hemos adquirido muitos livros bilíngües,chamados “burros”, e o dicionário Pequeno Larousse; e já estamos em condições de citarmos nooriginal latino muitas frases célebres dos filósofos e os testículos da Bíblia.Enm, senhoras Amazonas, heis de saber ainda que a estes progressos e luzida civilização,hão elevado esta grande cidade os seus maiores, também chamados de políticos. Com esteapelativo se designa uma raça renadíssima de doutores, tão desconhecidos de vós, que os diríeismonstros. Monstros são na verdade mas na grandiosidade incomparável da audácia, da
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carrapatos e dormiu. Tarde chegando
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gaiola enada no braço dele ia bate
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pegou, Macunaíma fez um esforço h
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No outro dia o boi estava podre. En
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Macunaíma se arrastou até a taper
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valentes das noites de amor que o b
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caqueando a muiraquitã nas barriga
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tanto penar na terra sem saúde e c
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Acabou-se a história e morreu a vi
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1 º PREFÁCIOEste livro carece dum
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em que trabalho porém não tenho c
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PREFÁCIOEvidentemente não tenho a
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