NOTAS DIÁRIASEspecial para Mensagem[...]...a observação de Sérgio Milliet me obrigou a esta releitura dos três capítulos nais deMacunaíma...Francamente às vezes até me chateia, mais freqüentemente me assusta, a versidade deintençõezinhas, de subentendidos, de alusões, de símbolos que dispersei no livro. Talvez eudevesse escrever no livro, pelo menos ensaio, Ao lado de Macunaíma, comentando tudo o quebotei nele. Até sem querer!De uma das alegorias não me lembrava, porém a leitura de hoje fez ela me ressaltar bemviva na lembrança. Talvez a recordação chegasse tão viva agora porque, tendo imaginadoretomar a composição do meu romance Café, o problema de formarmos, de querermos formaruma cultura e civilização de base cristã-européia, que seria por assim dizer a tese do romance,esteja me preocupando muito. Já me esquecera da alegoria que pusera sobre isso noMacunaíma... Mas agora tudo se relembrou em mim vividamente, ao ler a frase: “Eramalvadeza da vingarenta (a velha Vei, a Sol) só por causa do herói não ter se amulherado comuma das lhas da luz”, isto é, as grandes civilizações tropicais, China, Índia, Peru, México,Egito, lhas do calor. A alegoria está desenvolvida no capítulo intitulado Vei, a Sol.Macunaíma aceita se casar com uma das lhas solares, mas nem bem a futura sogra se afasta,não se amola mais com a promessa, e sai à procura de mulher. E se amulhera com umaportuguesa, o Portugal que nos herdou os princípios cristãos-europeus. E por isso, aqui noacabar do livro, no capítulo nal, Vei se vinga do herói e o quer matar. Ela é que faz aparecer aUiara que destroça Macunaíma. Foi vingança da região quente solar. Macunaíma não serealiza, não consegue adquirir um caráter. E vai pro céu, viver o “brilho inútil das estrelas”....pra completar a nota acima: um dos elementos sorridentemente amargos da alegoria é o custo,a hesitação de Macunaíma, quando deseja se jogar nos braços da Uiara enganosa, com que Vei,a Sol, o pretende matar. Estou me referindo à imagem da água estar fria, forçadamente frianaquele clima do Uraricoera e naquela hora alta do dia. A água destrança as suas ondinhas de“ouro e prata” (alusão à cantiga-de-roda ibérica da Senhora dona Sancha) e aparece a uiarafalsa. Macunaíma sente um desejo enorme de ir brincar com ela, talvez a fecundasse, talveznascesse um novo lho-guaraná, como dos seus amores com Ci... Mas põe o dedão do pé e tem
medo do frio, isto é, se arreceia de uma civilização, de uma cultura de clima moderado europeu.E Macunaíma, como num pressentimento, retira o dedão, não se atira n’água. O herói se salvaessa primeira vez. E a água mexida pelo dedão do herói se entrança de novo num tecido de ouroe prata, escondendo a visagem da Uiara-dona-Sancha. A qual é dona Sancha pra ser européia,pois Vei, em vez de se utilizar duma das suas lhas, europeíza o seu instrumento de vingança.Ela percebe que, sem o europeísmo a que se acostumou, Macunaíma não se enganava. Vei nãodesanima e pra enm vencer acaba se servindo de um argumento exatamente tropical. Peganum chicote de calor e dá uma lambada no herói. Este não resiste mais. Se atira na água fria,preferindo os braços da iara ilusória. E vai ser devorado pelos bichos da água, botos, piranhas.Ainda consegue voltar à praia, mas é um frangalho de homem. Como agora? sem umaperna, sem isto e mais aquilo, e sem principalmente a muiraquitã que lhe dá razão-de-ser,poderá se organizar, se reorganizar numa vida legítima e funcional?... Não tem maispossibilidade disso. Desiste de ir viver com Delmiro Gouveia, o grande criador. Desiste de ir praMarajó, único lugar do Brasil em que caram traços duma civilização superior. Lhe falta oamuleto nacional, não conseguirá mais vencer nada. Então ele prefere ir brilhar do brilho inútildas estrelas.MÁRIO DE ANDRADENOTA DA EDIÇÃOFragmento de Notas Diárias, publicado em Mensagem (Quinzenário de Literatura e Arte), a. 2, nº 26. Belo Horizonte, 20 jul.1943, p. 1.
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MACUNAÍMA,O HERÓI SEM N EN HU M C
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trapoerabas da serrapilheira, ele b
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2 Maioridade2 MAIORIDADE
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Macunaíma estava muito contrariado
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- Culumi faz isso não, meu neto, c
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Ci, Mãe do Mato3 CI, MÃE DO MATO
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planta é que a gente cura muita do
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No outro dia bem cedo o herói pade
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- Si... si... si a boboiúna aparec
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tempo. Chorava muito tempo. As lág
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No outro dia Macunaíma pulou cedo
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tecedeira inesquecível. Macunaíma
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Maanape sabia do perigo e murmurou:
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Maanape gostava muito de café e Ji
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Que o tatu prepare a covaDos seus d
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descuidàmos do nosso talismã, por
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ao gosto dos nativos, mordendo os h
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desejava saber as línguas da terra
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Bateu um ventarrão tamanho que o f
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- Eu menti.Todos os vizinhos caram
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- O quê! quem que é desconhecido!
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tanta água.- Vam’bora, gente!E t
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margem do São Francisco emporcalha
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Os manos levaram um susto.- Que foi
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O ticotico era pequetitinho e o chu
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13 A piolhenta do Jiguê13 A PIOLHE
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atentar o herói.- Gente! adeus, ge
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