Os versos do poema Morte e vida Severina (NETO, 1999, p. 275-282), escrito nos anos1954/55, de João Cabral de Melo Neto, registrados abaixo, narram, com mestria, a lutapela terra, neles apresentada como verdadeiro agon 1 de entrecho 2 dramático. De fato,pela posse da terra quantos perderam sua vida? E quantos ainda a perderão? Essapergunta incomoda porque denota a persistência de uma questão que está ligada à vidado homem, desde os tempos primevos, visto que são inúmeros os registros históricos eliterários sobre as peripécias e desenlaces desse agon, pela posse da terra.- Essa cova em que estás,com palmos medida,é a cota menorque tiraste em vida- É de bom tamanho,Nem largo nem fundo,é a parte que te cabedeste latifúndio- Não é cova grande,é cova medida,é a terra que queriasver divididaÉ uma cova grandepara teu pouco defunto,mas estarás mais anchoque estavas no mundo.- É uma cova grandepara teu parco defuntoporém mais que no mundote sentirás largo.- É uma cova grandepara a tua carne pouca,1 Segundo Pavis, em seu Dicionário de teatro (1999), o “agon ou princípio ‘agonístico’” representa oconflito entre os personagens protagonistas, o qual encerra a essência da obra.2 O termo mythos para Aristóteles significa composição das ações. Emportuguês, são sinônimos de mythos os termos: entrecho, trama, intrigae enredo. Convém lembrar que, para Tomachevski, a trama é que éverdadeiramente artística e não a fábula no sentido de fato empíricoque representa nada mais do que matéria bruta a ser lapidada pelasmãos do ficcionista.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 32
mas a terra dadanão se abre a boca (NETO, 1999, p. 279-280).Morte e Vida Severina se divide em dezoito cenas ou fragmentos poéticos quedescrevem a peregrinação de Severino, seguindo o percurso do rio Capibaribe até acidade de Recife, em fuga da miséria e da morte apontadas em cada cadinho dapaisagem nordestina e interligadas às pinceladas de vida que despontam dessapaisagem. Severino, no início do poema, alerta o leitor: seu nome não remete à históriaparticular de um sujeito; ao contrário, remete à história coletiva dos muitos Severinos,“iguais em tudo na vida / na mesma cabeça grande / que a custo se equilibra, / nomesmo ventre crescido / sobre as mesmas pernas finas” (NETO, 1999, p. 276). Assim,sua trajetória o conduz ao encontro das diversas faces da morte, e ilumina a história dohomem nordestino em luta pela vida e pela posse da terra, fazendo emergir a denúnciacontra aqueles que matam e oprimem por causa poder.No fragmento aqui apresentado - oitava cena do poema - Severino, tendo chegado àZona da Mata, assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que dizem ostrabalhadores que o levam ao cemitério. É nesse momento que, ao alcançar um forometafísico, Morte e Vida Severina instiga o leitor a olhar mais fundo à realidade socialque, historicamente, desenhou a face da luta pela posse da terra em todo o país.Como é sabido, a concentração fundiária no Brasil e os problemas dela decorrentesremontam às capitanias hereditárias e à concessão das sesmarias; um passado queaparece com riquezas de detalhes no romance Memorial de Maria Moura (1992) deRachel de Queiroz. Por meio das ações e reflexões da personagem protagonista, MariaMoura, o conflito relacionado à posse da terra vem à primeira plana e movimenta anarrativa. É a disputa pelo sítio do Limoeiro com os primos Tonho e Irineu que leva aprotagonista a pôr fogo em sua casa e a abandonar o local. De frágil sinhazinha quefora, no tempo em que sua mãe ainda estava viva, torna-se uma respeitada chefe decangaceiros. Cumpre, então, o ritual de iniciação da donzela guerreira: traja-se dehomem, corta os cabelos com uma faca e, junto a seus cabras, vê-se, agora, na larguezado Sertão frente ao sonho que nascera das histórias que lhe contara seu pai: recuperar asterras da Serra dos Padres.Não me doía tanto quanto esperei, o fogo na casa do Limoeiro; afinal,agora tinha chegado a vez de se cumprir o meu grande sonho. Asterras da Serra dos Padres, tudo fresco, olho d’água correndo entrePonta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 33
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