indígenas à aspectos beligerantes tão difundida na sociedade. O caráter ritualizado docombate, indiretamente, reproduz algumas das características que tinham as guerras esuas relações interculturais praticadas por certos povos indígenas desde períodos précoloniais,treatralizando-se seus sentidos e valorizações míticas, sociológicas,territoriais e de parentesco. Vide a representação do rapto 21 da Princesa dosCaboclinhos pelos Lambe-sujos, sendo um dos momentos cruciais do enredo,denotando que o conflito encenado envolve mais que meras questões da captura denegros aquilombados.Seguindo diferentes trajetos, por vezes, ocorrendo encontros prévios e ameaçadores deuma batalha eminente e por momentos de embaixadas (diálogos e negociações entre asbatalhas), os dois grupos realizam de maneira distinta suas “obrigações” passando porlugares de importância simbólica que dão significado seqüencial à intriga, comoterreiros de candomblé e casas de figuras populares com reconhecido prestígio nacomunidade, onde são intercambiadas canções e batucadas por benzeduras, reverênciase muitas bebidas caseiras tradicionais, as “meladinhas”.Incrementando a composição dramática, ao longo do itinerário desses espaçossimbólicos vão sendo incorporados novos personagens, tais como, a Mae-Suzana, o PaiJuá, o Rei e o Príncipe para os Lambe-Sujos; o Pajé, a Rainha, o Príncipe e a Princesapara os Caboclinhos. Cada figura desempenha seus diferentes papéis utilizando-se deexpressões que vão desde o mais burlesco e satírico ao majestoso e sisudo.Interpretamos esse jogo de opostos como um sistema de complementaridade que refletea própria complexidade sociológica de inversão, marcada por interações de mensagenssensitivas que se sumarizam no antagonismo entre ordem e transgressão, apreços edesrespeitos, temores e atitudes de irreverência. Como exemplo desta ambigüidade,observa-se o receio por parte do Lambe-sujos para com os chamados Taqueiros(homens caracterizados como jagunços sertanejos), dois personagens que tentamcontrolar o grupo dos negros através de chibatadas, tais como, os antigos feitores quetrabalhavam para os senhores de engenho. Em contrapartida, os mesmo Lambe-Sujosexacerbam o mais puro sarcasmo e indiferença ao passarem em frente a delegaciamunicipal exibindo gestos obscenos e proferindo palavras de indignação e rebeldia sobos olhares incapazes dos representantes da lei.21 A encenação de raptos é tema freqüente em diversas manifestações folclóricas brasileiras, a exemplo daChegança, Marujada e Cavalhadas.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 68
Os Lambe-sujos e Caboclinhos seguem seu destino rumo à praça onde se encontra oMocambo, principal referência espacial da festa, e aonde esta chega ao seu mais altograu de dramaticidade. Neste momento, é representado o rapto da Princesa dosCaboclinhos, que é levada para o interior do Mocambo, seguido pela evacuação dosseus “parentes”. Os Lambe-sujos comemoram tal feito com a efervescência dos cantos ecom a performacem exaltadas dos seus personagens protagonistas, tais como, aveneração do Rei aos seus guerreiros, as danças delirantes da Mãe Suzana e o estouro deexplosivos por Pai Juá. Contudo, a aparente vitória ainda não está garantida.Durante esta temporária comemoração, do alto de um mastro, um dos Lambe-sujosespreita atentamente a aproximação dos Caboclinhos que retornam decididos a resgatarsua Princesa. O vigilante por meio de brados desesperados clama a atenção dos seuscompanheiros para os perigos que os aguardam. Dá-se o combate final.Sem cessar os batuques (agora expressando maior tensão emotiva), abre-se uma granderoda em frente ao Mocambo e, mesmo em menor número, os Caboclinhos atacamintrepidamente os Lambe-sujos com a estratégia da ofensiva surpresa e fulminante.Aproveitando-se do momento de tumulto, sorrateiramente alguns Caboclinhos adentramao Mocambo e libertam sua Princesa do cativeiro. Perplexos, por meio da força e deinsultos carregados de extrema vivacidade, os Lambe-sujos tentam reagir à captura dosCaboclinhos que pretendem cumprir com o acordo de aprisionar os negros. Por fim,alguns Lambe-sujos são dominados e levados como troféus por seus captores.Espalhadas pelas ruas, as duplas de algozes e prisioneiros partem em busca dacolaboração dos expectadores para o pagamento da alforria que libertará o negro cativo,representando outro fenômeno histórico importante. O dinheiro arrecadado servirá paraos últimos instantes de sensibilização e alteração física sensorial que, de algumamaneira, instiga reflexões e descobertas cognoscitivas correspondentes às autopercepçoesindividuais, sociais e identitárias, sobretudo, relacionadas aos aspectosconflitivos que ainda são reproduzidos sob novas formas nas multitudes da sociedadebrasileira.4. Considerações FinaisReconhecendo a magnitude desta manifestação, limitamo-nos no presente artigo aanalisar brevemente apenas alguns dos seus aspectos mais emblemáticos, contudo,torna-se necessário considerar outros fatores que influenciam diretamente a composiçãoPonta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 69
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