Observe-se que os combatentes da cidade de Belo Monte não temiam a morte, pois,como o seu pai 3 espiritual lhes mostrara, eram os “eleitos” e morrer, para eles,significava ressuscitar nesta ou noutra terra em que estaria a sua espera o gozo deprazeres indescritíveis. O Conselheiro, enviado de Deus na terra, ressuscitaria – assimcomo Jesus Cristo – no terceiro dia após a sua morte. Os seguidores de Antonio Macielcriam, de fato, em sua ressurreição e negaram-se a sepultá-lo; só o fizeram quandopassados os três dias não suportaram mais o odor do corpo em decomposição. Mesmoassim persistia a crença de que ele “ressurgiria entre milhões de arcanjos de espadasflamejantes, que destruiriam todos os inimigos” (QUEIROZ, 197, p. 241).Na perspectiva do olhar da cultura dominante, essas crenças, assim como osensinamentos do Conselheiro – e isso pode ser verificado na obra de Euclydes da Cunha– traçam o retrato de um líder “bárbaro”, de “cabelos crescidos sem nenhum trato (...);as longas barbas grisalhas mais para brancas; os olhos fundos raramente levantados parafitar alguém; o rosto comprido de uma palidez quase cadavérica” (CUNHA, 1999, p.174). Seus sermões, revelando a crença na volta de D. Sebastião, estão repletos depalavras “inócuas” que refletem “o turvamento intelectual de um infeliz”. Trata-se de“profecias esdrúxulas” ladeadas por preceitos vulgares da moral cristã que denotam uma“religiosidade difusa e incongruente” (CUNHA, 1999, p. 171). É em meio a esse “préconceito”do olhar para esse outro que insurge a figura do líder messiânico como ummegalômano excêntrico que incita uma espécie de patologia coletiva: o movimentomessiânico.Todavia, Queiroz (1976), a partir do estudo de movimentos messiânicos do mundopagão e religioso, mostra que seus líderes não são personagens da barbárie, portadoresde patologias psíquicas, mas possuidores de “qualidades pessoais extraordinárias,provadas por meio de faculdades mágicas ou estáticas” (QUEIROZ, 1976, p. 27). Isso eo fato de ser, por excelência, carismático lhe asseveram autoridade. “Assim, age graçasao seu dom pessoal apenas, colocando-se fora ou acima da hierarquia eclesiástica oucivil existente, desautorizando-a ou subvertendo-a” (QUEIROZ, 1976, p. 27). Dessemodo, o movimento messiânico, como fato social, representa uma clara evidência deque as normas tradicionais da sociedade em que se insere não estão estagnadas, vistoque, em sua dinâmica interna, encontram-se espaços para que a classe desprovida das3 Havia uma hierarquia interna na cidade de Belo Monte, “cujo vértice era Antonio Conselheiro; pontomais elevado da escala social, era o chefe, o pastor, o pai. ‘Meu Pai’, tal a denominação que lhe davam oscomponentes do grupo quando lhe falavam diretamente; ‘Nosso Pai’, quando a ele se referiam”(QUEIROZ, 1976: 230).Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 36
enesses dessa estrutura social possa se manifestar. Seriam, pois, reações normais noâmbito social em momentos de crise ou de mudanças ocorridas na estrutura interna dasociedade. Sob essa focalização, o messianismo representa um modo de organizar a lutacontra a dominação e a opressão. A esse respeito, no prefácio de O Messianismo noBrasil e no mundo, Roger Bastide observa:Se me permitirem levar até ao extremo esta tese, diria que ocampesinato brasileiro, ao qual é recusada uma Reforma Agrária,como que a realiza por si mesmo, sob a inspiração de seus líderescarismáticos, e segundo valores que lhe são peculiares. Omessianismo é uma resposta (uma resposta bem sucedida, enquanto ofeudalismo dos grandes proprietários, amedrontados, não chamar emseu socorro a polícia ou o exército, para afogar o movimento emsangue), à situação histórica de uma classe rural abandonada, que semostra capaz, utilizando modelos tradicionais, de passar da servidãoà cooperação; de chegar sozinha à economia comercial, a partir deuma economia de subsistência, imposta pelo regime em que vive e nãoconstituindo em absoluto, um traço distintivo de sua mentalidade(BASTIDE, 1976, p. XVI).Depreende-se dessas considerações que o movimento messiânico provém dainsatisfação com o mecanismo social e fundiário de distribuição de terras no Brasil;mundo de imperfeições que se contrapõe ao modelo sagrado santificado e perfeitoproposto pelo Messias. Lendas e mitos definem, pois, os traços de um Reino Celeste naterra em que a salvação se inscreve a partir da promessa da vinda de um redentor ainstituir uma nova ordem de justiça. Embora o messianismo, muitas vezes, impulsioneos homens a ações incompreensíveis a quem não participa de seus preceitos, essas açõesrepresentam uma evidente resistência à inércia e à resignação diante das distinções entreas camadas sociais.Pedra Bonita (1979) de José Lins do Rego exemplifica muito bem isso. Suas páginasrecuperam os fatos daquele que fora “talvez o mais trágico dos movimentos messiânicosbrasileiros” (QUEIROZ, 1976, p. 222). No ano de 1836, no estado de Pernambuco,surge um mameluco de nome João Antônio dos Santos, anunciando que D. Sebastião esua corte se desencantariam e riquezas seriam distribuídas entre os adeptos da seita.Impressiona o grande número de pessoas, especialmente das baixas camadas sociais,que deixaram de trabalhar para segui-lo. Esses acontecimentos inquietaram asautoridades e o Padre Francisco Correia – idoso e com prestígio na região – foi enviadopara convencer o pregador a abandonar o local. Depois de passados dois anos, JoãoFerreira, cunhado de João Antonio, retoma a pregação, apresentando aos adeptos asPonta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 37
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