as pedras. Pai falava tanto, era o mesmo que eu já tivesse visto. Tinhaa questão com os posseiros; mas, pelo que Pai dizia, o pior deles játinha morrido; restava só filho e mais um genro.Eu não pretendia chegar lá de arranco, reclamando o que era meu.Aquilo já era da nossa gente quando ainda se chamava a ‘data dafidalga Brites’, senhora viúva que nunca veio de Portugal receber asterras que o rei lhe deu em sesmaria. Terras tão grandes que cobriamtoda a Serra dos Padres e mais três léguas de sertão em redor. AFidalga mandou foi um procurador retalhar a data pra quem quisessecomprar. E essas partes da data foram passando de mão em mão, euma delas chegou até nós. O avô de pai comprou justamente a parteque subia pela Serra dos Padres. (QUEIROZ, 1992, p. 80).As obras, brevemente apresentadas acima, são apenas duas das muitas outras que, doperíodo colonial à modernidade, registram os conflitos relacionados a terra na literaturabrasileira. Assim, propomo-nos, nesse artigo, a resgatar, nos romances Os Sertões(1902) de Euclydes da Cunha, Pedra Bonita (1979) de José Lins do Rego e no textodramático Vereda da Salvação (1957-63) de Jorge Andrade, o agon pela posse da terraque, nessas obras, ganha expressão a partir de surtos messiânicos ocorridos no Brasil, napassagem do século XIX e no decorrer do século XX. Para apresentar esses fatosdocumentais, contrastando-os com a efabulação romanesca e dramática, buscar-se-áapoio teórico, especialmente, em Messianismo no Brasil e no Mundo (1976) de MariaIsaura P. de Queiroz, A Aparição do Demônio no Catulé (1957) do antropólogo italianoCarlo Castaldi e A Caminho do Paraíso: o surto messiânico-milenarista do Catulé deRenato da Silva Queiroz.N’Os Sertões, de forma romanesca, é figurada a trajetória – que levou ao massacre deCanudos – de habitantes da terra árida do sertão da Bahia – camponeses, vaqueiros, exescravos,jagunços – seguidores de Antonio Maciel que, por mais de vinte anos,peregrinara pelos recantos do sertão, fazendo milagres e deixando marcos de suapassagem em igrejas e cemitérios construídos, açudes providenciados. Enfim, ações queatendiam às necessidades do povo oprimido. Diante disso, espalhou-se a sua “fama demaneira desmedida e, à sua chegada em qualquer burgo, movimentava-se toda aredondeza para vê-lo, ouvi-lo, consultá-lo (QUEIROZ, 1976, p. 225).Quando a República foi proclamada, Antonio Conselheiro vivia, há doze anos, na vilaBom Jesus que, depois de sua chegada, tornara-se quase uma cidade. Nessa época,segundo Queiroz (1976), o pregador já havia demonstrado certa agressividade,desafiando, por motivos banais, autoridades locais e eclesiásticas. A República fê-loendurecer ainda mais. Recusava-se a aceitar as mudanças que foram trazidas pela novaPonta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 34
forma de organização política; dentre elas: expulsão do imperador, separação entre aIgreja e o Estado, impostos maiores, recenseamento. Essas modificações mostravam, napercepção do líder religioso, que a República representava o governo do Anticristo e oprenunciar do final dos tempos. Parte, então, acompanhado dos fiéis pelo sertão,“procurando no deserto dos chapadões desolados pela seca um local propício parainstalar a Nova Jerusalém, onde os privilegiados pudessem esperar tranqüilos oanunciado Juízo Final, furtando-se ao republicano governo do Anticristo” (QUEIROZ,1976, p. 226).O arraial, que recebe o nome de Belo Monte, em pouco tempo, torna-se uma cidade de,aproximadamente, oito mil habitantes e seu líder espiritual se volta, de um modoatrevido e corajoso, contra a nova ordem política, a qual o concebe como umsustentáculo para a iniqüidade dos ricos fazendeiros. Acrescente-se a isso o fato de queo Conselheiro “pisara, impune, sobre as cinzas dos editais das câmeras das cidades queinvadira; destroçara completamente, em 1893, forte diligência policial, em Masseté, efizera voltar outra, de 80 praças de linha, que seguira até Serrinha, em 1894” (CUNHA,1999, p.190). Assim, torna-se fácil entender as acusações que caíram sobre ele e seusseguidores - execrados como fanáticos e conspiradores - uma força monarquistaameaçadora à República, embora se saiba que não era a monarquia que estava sendocombatida, mas a postura subversiva do homem pobre do campo. O trecho abaixodescreve um dos aterradores massacres aos seguidores de Antonio Conselheiro:O caso é original e verídico. Evitando as vantagens de umaarrancada noturna, os sertanejos chegavam com o dia e anunciavamsede longe. Despertavam os adversários para a luta.Mas não tinham, ao primeiro lance de vistas, aparências guerreiras.Guiavam-nos símbolos de paz: a bandeira do Divino e ladeando-a,nos braços fortes de um crente possante, grande cruz de madeira, altacomo um cruzeiro. Os combatentes armados de velhas espingardas,de chuços de vaqueiros, de foices e varapaus, perdiam-se, no grossodos fiéis que alteavam, inermes, vultos e imagens dos santosprediletos, e palmas ressequidas retiradas dos altares. Alguns, comonas romarias piedosas, tinham à cabeça as pedras dos caminhos, edesfiavam rosários de coco. (...)Na maioria, as praças, protegidas pelas casas, e abrindo-lhes asparedes em seteira, volveram à defensiva franca.(...) Os matutos conjuntos à roda dos símbolos sacrossantos, no largo,começaram a ser fuzilados em massa. Baquearam em grande número;e tornou-se-lhes a luta desigual a despeito da grande vantagemnumérica. Batidos pelas armas de repetição, opunham um disparo declavinote a cem tiros de Comblain (CUNHA, 1999, p.196).Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 35
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