Cartilha do silêncio 12 (1997), da autoria do sergipano Francisco Dantas, é um romancemuito peculiar, se levarmos em conta que, mesmo dentro de um contexto temático, noqual os narradores-personagens experimentam a mais pura solidão, o que nos remeteaos valores de uma época contemporânea marcada pelo individualismo exacerbado, naqual a obra foi produzida e publicada, ainda assim, a família e com esta opatriarcalismo, inserem-se na narrativa, conforme força e marca de uma sociedadetradicional e autoritária representada.Patriarcalismo esse herdado do processo de colonização do Brasil – das primeirasfamílias portuguesas que vieram povoar as terras brasileiras no século XVI – econsolidado na estruturação de uma sociedade agrária (cf. FREIRE, 2006) e rural que,ainda, hoje, no século XXI, coexiste em vários pontos do interior do Nordeste e dovasto interior do Brasil. Com isso, no texto ficcional em foco, Dona Senhora, Arcanja,Remígio, Mané Piaba e Cassiano Barroso têm, na obra, tanto a função de contar as suashistórias – recuperadas pela memória – quanto de testemunhar a cultura doautoritarismo, quanto ainda, de compor o configurado quadro dessa sociedade patriarcalainda presente na sociedade brasileira como um todo, especialmente em Sergipe: oespaço configurado no texto literário que é o foco da nossa análise.Também o fato da obra ser dividida em cinco partes datadas e referentes a cada um dosnarradores-personagens acarretam implicações interpretativas, que podem perfeitamenteser consideradas dentro de um âmbito histórico-cultural, pois as datas no início de cadaparte (1915,1951,1955,1964,1974) evidenciam que a época em que se vive écondicionante para a compreensão dos valores sócio-culturais. Um outro fato remetenosa evidência de, embora ao falecido patriarca Romeu Barroso não ser destinadanenhuma parte específica da obra e, conseqüentemente, ele não se constitua numnarrador-personagem, esse patriarca está sempre presente, em forma de lembranças, emtodos os momentos desse texto ficcional – mediante o resgate da memória dessas vozesnarrativas.Isso são indícios de que a cultura autoritária do pai, da lei e das regras se impõe pelaforça e pela tradição secular de uma família que, nas condições da narrativa, representaum autêntico microcosmo social. Assim, vale ressaltar o fato de, mesmo nesse contextosócio-familiar tipicamente dominado pela força da tradição, as narradoras-mulheres seoporem a esse estado de coisas, a ponto de constituírem-se no elemento complexo e12 Nas citações da obra Cartilha do silêncio, será usada a sigla CDS.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 48
numa “promessa” de transgressão social, é altamente sugestivo, uma vez que denota aspequenas mudanças ocorridas no seio da sociedade.Como pensar em literatura é também refletir sobre as condições materiais do contextode sua produção e as conseqüentes implicações de uma conjuntura social na obra, valeressaltar a importância do Rio-das-Paridas, local interiorano para onde as narrativasconstruídas por Dantas constantemente se deslocam. Assim, esse lugarejo é, numprimeiro plano da narrativa, a representação de Riachão do Dantas, antes vila e hojecidade das proximidades de Lagarto, região centro-sul de Sergipe. No segundo plano,Rio-das-Paridas configura-se segundo uma localidade como tantas outras do vastoBrasil escravista, em que a política do mais forte – ratificada na figura do pai e dohomem – persiste e compõe um lídimo e restrito universo, onde as tradições sãoimpostas e confirmadas na divisão das classes sociais e na importância da própriafamília, conforme uma instituição milenar de controle que reproduz a estratificaçãosocial de uma sociedade.Segundo a historiografia brasileira, “a família, não o indivíduo, nem tão pouco o Estado,nem nenhuma companhia de comércio, é a força social que se desdobra em política,constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América”(FREIRE, 2006,p.81) e na força de organização político-social do Brasil. Instituição essa que, no textofictício em foco, está em crise, assim como também está na sociedade contemporânea e,embora atualmente a família não seja o lugar mais atraente para o indivíduo, aindadetém uma força imprescindível à vida e às lutas travadas dentro e fora de casa para amanutenção do status quo social. Conseqüentemente, nas condições das narrativasconstruídas por Francisco Dantas, mais especificamente, Cartilha do silêncio, verificase,de imediato, os antagonismos de uma sociedade sergipana que oscila entre o pesodos valores coloniais/patriarcais e os valores de uma sociedade moderna, que começa asurgir, colocando, aos poucos e timidamente, a mulher no centro das representações edos interresse econômicos, políticos e sociais.Dentro desse contexto analítico, pensamos a “literatura como uma categoria social ehistórica especializada” (WILLIAMS, 1979, p.58) na medida em que não pode serdissociada da vida sócio-cultural nem das condições materiais de sua produção, maspensada a partir da importância das relações sociais e da vida cultural (cf. WILLIAMS,1979). No entanto, como o conceito de cultura é muito amplo, por envolver quer sejatoda e qualquer prática artística e intelectual, quer seja o modo de vida de um povo (cf.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 49
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