compondo a paisagem. Essa distância precisava ser vencida a pé, ora subindo asmontanhas, ora descendo-as, ora contornando-as. Essa localização geográfica éimportante para a reflexão sobre o drama social dessas personagens da história e a forteexaltação místico-religiosa na qual elas se envolveram naquela Semana Santa de1955.Isso porque a solidão geográfica dessas dez famílias isolava-as também das lutascamponesas que vinham sendo organizadas no país nessa mesma época, colocando-as,de fato, frente ao “sem saída” no plano sócio-político. Além disso, a altitude dasgrandes elevações montanhosas propiciava uma atmosfera metafísica de contemplação etranscendência.O motivo do messianismo, como pôde ser verificado, emoldura a composição estéticadas três obras abordadas. Em Os Sertões e Pedra Bonita despontam esperançasmilenaristas marcadas pelo regresso de D. Sebastião. No texto dramático Vereda daSalvação, a fábula se desenvolve em torno da crença na volta de Cristo ao mundo“pobre” como um agregado e “mais sofredor” do que todos os meeiros do Catulé juntos(ANDRADE, 1957-63, p. 242) e na transposição desses “escolhidos” para o paraísoceleste. Em síntese, observe-se que o termo messianismo se desenha a partir da crençano Messias, enviado divino, presente no mundo para dar amparo espiritual a homensinjustiçados e para orientar a instauração de uma nova ordem em que prevaleça justiça,condições dignas de existência e felicidade.Portanto, a figura do Messias, no entrecho das obras estudadas, suscita uma importantereflexão sobre o traço psíquico da coletividade em que ele se manifesta. Vale lembrarque toda representação artística encerra um “ato socialmente simbólico 11 ”, visto que aobra de arte se edifica na estrutura de um sistema de valores e de significadosrelacionados ao mais amplo sentido de orientação que rege os movimentos do homem,suas expectativas e percepções a respeito de si mesmo e do mundo social que o envolve.Nessa perspectiva, o mérito das três obras aqui estudadas é, sem dúvida, mostrar que omito se perfaz no interior de situações sociais e históricas desfavoráveis a quem éarrebatado por ele. Assim, o surgimento da crença indica um descontentamento dedeterminadas coletividades com o núcleo organizacional da sociedade e “afirmaformalmente a esperança numa transformação positiva das condições penosas deexistência” (QUEIROZ, 1976, p. 383). A partir disso, vê-se que a principal proposta dasobras é a problematização da séria questão sócio-histórica agrária, a partir da reflexão11 Essas são palavras utilizadas por Jameson em: JAMESON, Fredric. O inconsciente político: anarrativa como um ato socialmente simbólico. Trad. Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 44
crítica que os elementos intrínsecos ao messianismo propõem, fazendo emergir dascategorias estéticas exploradas o reconhecimento dos mecanismos que levam os homensà fuga de uma situação opressiva de miséria, dando vazão ao mito.BIBLIOGRAFIAANDRADE, Jorge. Marta, a árvore e o relógio. São Paulo: Perspectiva, 1986.ARISTÓTELES. Poética. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1987.BASTIDE, Roger. Prefácio à 2ª <strong>Edição</strong>. In: QUEIROZ, Maria Izaura Pereira. Omessianismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa Omega, 1976.BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. São Paulo: Perspectiva, 2003.BRANDÃO, Junito. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega, vol.I. 3.ed.Petrópolis: Vozes, 1997.CANDIDO, Antonio. Os parceiros do rio bonito. São Paulo: Livraria Duas CidadesLtda, Ed. 34, 2001.CASTALDI, Carlo. A aparição do demônio no Catulé. In: Maria Isaura Pereira deQueiroz et al. Estudos de Sociologia e História. São Paulo: Anhembi, 1957.CUNHA, Euclydes da. Os sertões. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 2000.JAMESON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmentesimbólico. Trad. Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992.MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes,1983.MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.NETO, João Cabral de Melo. Morte e vida severina. In: AGUIAR, Flávio. (Org.) Compalmos medida: terra trabalho e conflito na literatura brasileira. São Paulo: Boitempo,1999.PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. SãoPaulo: Perspectiva, 2003.QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. São Paulo: Siciliano, 1992.QUEIROZ, Renato da Silva. A caminho do paraíso: o surto messiânico-milenarista doCatulé. São Paulo, FFLCH/USP,CER, 1995.QUEIROZ, Maria Izaura Pereira. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo: AlfaOmega, 1976.REGO, José Lins do. Pedra bonita. Rio de Janeiro: Olympio, 1979.Ponta de Lança, São Cristóvão v.2, n. 3, out. 2008 ‐ abr. 2009. 45
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