crespos — e um chinês, um índio. Enfim, condensava-se ali bem o Pariscosmopolita — rastaquouère e genial.Até à meia-noite, dançou-se e conversou-se. Nas galerias jogava-seinfernalmente. Mas a essa hora foi anunciada a ceia; e todos passamos ao salãode jantar — outra maravilha.Pouco antes chegara-se a nós a americana e, confidencialmente, nos dissera:— Depois da ceia, é o espetáculo — o meu Triunfo! Quis condensar neleas minhas ideias sobre a voluptuosidade-arte. Luzes, corpos, aromas, o fogo ea água — tudo se reunirá numa orgia de carne espiritualizada em outro!* * *Ao entrarmos novamente na grande sala — por mim, confesso, tive medo…recuei…Todo o cenário mudara — era como se fosse outro o salão. Inundava-o umperfume denso, arrepiante de êxtases, silvava-o uma brisa misteriosa, umabrisa cinzenta com laivos amarelos — não sei por que, pareceu-me assim,bizarramente —, aragem que nos fustigava a carne em novos arrepios.Entanto, o mais grandioso, o mais alucinador, era a iluminação. Declaro-me
impotente para a descrever. Apenas, num esforço, poderei esboçar onderesidia a sua singularidade, o seu quebranto:Essa luz — evidentemente elétrica — provinha de uma infinidade de globos,de estranhos globos de várias cores, vários desenhos, de transparências várias— mas, sobretudo, de ondas que projetores ocultos nas galerias golfavam emesplendor. Ora essas torrentes luminosas, todas orientadas para o mesmoponto quimérico do espaço, convergiam nele num turbilhão — e, desseturbilhão meteórico, é que elas realmente, em ricochete enclavinhado, seprojetavam sobre paredes e colunas, se espalhavam no ambiente da sala,apoteotizando-a.De forma que a luz total era uma projeção da própria luz — em outra luz,seguramente, mas a verdade é que a maravilha que nos iluminava nos nãoparecia luz. Afigurava-se-nos qualquer outra coisa — um fluido novo. Nãodivago; descrevo apenas uma sensação real: essa luz, nós sentíamo-la mais doque a víamos, E não receio avançar muito afirmando que ela nãoimpressionava a nossa vista, mas sim o nosso tato. Se de súbito nosarrancassem os olhos, nem por isso nós deixaríamos de ver. E depois — eis omais bizarro, o mais esplêndido — nós respirávamos o estranho fluido. Eracerto, juntamente com o ar, com o perfume roxo do ar, sorvíamos essa luzque, num êxtase iriado, numa vertigem de ascensão — se nos engolfava pelospulmões, nos invadia o sangue, nos volvia todo o corpo sonoro. Sim, essa luzmágica ressoava em nós, ampliando-nos os sentidos, alastrando-nos em
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ninguém… não podia experimentar
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— Que valem os outros, entanto, e
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A desventurada mal teve tempo para
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Passaram velozes os meus dez anos d
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angústia — e assim poder vê-las