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A CONFISSÃO DE LÚCIO

Untitled - Luso Livros

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Sim, em verdade, tudo aquilo era muito singular. Como a conhecera o artista— ele, que não tinha relações algumas, que nem mesmo frequentava as casasdos seus raros amigos — e como aceitaria a ideia do matrimónio, que tantolhe repugnava?… O matrimónio? Mas seriam eles casados?… Nem sequerdisso eu podia estar seguro. Lembrava-me numa reminiscência vaga: na suacarta o meu amigo não me escrevera propriamente que se tinha casado. Isto é:dizia-mo talvez, mas sem empregar nunca uma palavra decisiva… Aludindo asua mulher, dizia sempre Marta — reparava agora também.E foi então que me ocorreu outra circunstância ainda mais estranha, a qual meacabou de perturbar: essa mulher não tinha recordações; essa mulher nunca sereferira a uma saudade da sua vida. Sim; nunca me falara de um sítio ondeestivera, de alguém que conhecera, de uma sensação que sentira — em suma,da mais pequena coisa: um laço, uma flor, um véu…De maneira que a realidade inquietante era esta: aquela mulher erguia-se aosmeus olhos como se não tivesse passado — como se tivesse apenas umpresente!Em vão tentei expulsar do espírito as ideias afogueadas. Mais e mais cadanoite elas se me enclavinhavam, focando-se hoje toda a minha agonia emdesvendar o mistério.Nas minhas conversas com Marta esforçava-me por obrigá-la a descer no seupassado. Assim lhe perguntava naturalmente se conhecia tal cidade, se

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