são todas iguais, sempre — vestidas dos mesmos fatos, com as mesmaspernas nuas, as mesmas feições ténues, o mesmo ar gentil. De maneira que euem vão me esforço por considerar cada uma delas como uma individualidade.Não lhes sei atribuir uma vida — um amante, um passado; certos hábitos,certas maneiras de ser. Não as posso destrinçar do seu conjunto daí, o meupavor. Não estou pousando, meu amigo, asseguro-lhe."Mas não são estes só os meus medos Tenho muitos outros. Por exemplo ohorror dos arcos — de alguns arcos triunfais e, sobretudo, de alguns velhosarcos de ruas. Não propriamente dos arcos — antes do espaço aéreo que elesenquadram. E lembro-me de haver experimentado uma sensação misteriosade pavor, ao descobrir no fim de uma rua solitária de não sei que capital umpequeno arco ou, melhor, uma porta aberta sobre o infinito Digo bem —sobre o infinito. Com efeito a rua subia e para lá do monumento começava,sem dúvida, a descer De modo que, de longe, só se via horizonte através dessearco. Confesso-lhe que me detive alguns minutos olhando o fascinadoAssaltou me um forte desejo de subir a rua até ao fim e averiguar para ondeele deitava. Mas a coragem faltou-me. Fugi apavorado. E veja, a sensação foitão violenta, que nem sei já em que triste cidade a oscilei…"Quando era pequeno — ora, ainda hoje! — apavoravam-me as ogivas dascatedrais, as abóbadas, as sombras de altas colunas, os obeliscos. as grandesescadarias de mármore… De resto, toda a minha vida psicológica tem sido até
agora a projeção dos meus pensamentos infantis — ampliados, modificados;mas sempre no mesmo sentido, na mesma ordem: apenas em outros planos."E por último, ainda a respeito de medos: Assim como me assustam algunsespaços vazios emoldurados por arcos — também me inquieta o céu das ruas,estreitas e de prédios altos, que de súbito se partem em curvas apertadas.O seu espírito estava seguramente predisposto para a bizarria, essa noite, poisainda me fez estas esquisitas declarações à saída do teatro:— Meu caro Lúcio, vai ficar muito admirado, mas garanto-lhe que não foitempo perdido o que passei ouvindo essa revista chocha. Achei a razãofundamental do meu sofrimento. Você recorda-se de uma capoeira degalinhas que apareceu em cena? As pobres aves queriam dormir. Metiam osbicos debaixo das asas, mas logo acordavam assustadas pelos jorros dosprojetores que iluminavam as “estrelas”, pelos saltos do compadre… Poiscomo esses pobres bichos, também a minha alma anda estremunhada —descobri em frente deles. Sim, a minha alma quer dormir e, minuto a minuto,a vêm despertar jorros de luz, estrepitosas vozearias: grandes ânsias, ideiasabrasadas, tumultos de aspirações — áureos sonhos, cinzentas realidades…Sofreria menos se ela nunca pudesse adormecer. Com efeito, o que mais meexacerba esta tortura infernal é que, em verdade, a minha alma chega muitasvezes a pegar no sono, a fechar os olhos — perdoe a frase estrambótica. Malos cerra, porém, logo a zurzem — e de novo acorda perdida numa agonia
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estaurante que não frequentava hab
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Uma manhã vi de súbito alguém at
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ninguém… não podia experimentar
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— Que valem os outros, entanto, e
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A desventurada mal teve tempo para
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Passaram velozes os meus dez anos d
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angústia — e assim poder vê-las