entusiasmo espasmódico, sou todo admiração, todo ternura, pelas grandesdebochadas que só emaranham os corpos de mármore com outros iguais aosseus — femininos também; arruivados, sumptuosos… E lembra-me então umdesejo perdido de ser mulher — ao menos, para isto: para que, numencantamento, pudesse olhar as minhas pernas nuas, muito brancas, aescoarem-se, frias, sob um lençol de linho…Entanto, eu admirava-me do rumo que a conversa tomara. Com efeito, se aobra de Ricardo de Loureiro era cheia de sensualismo, de loucas perversidades— nas suas conversas nada disso surgia. Pelo contrário. Às suas palavrasnunca se misturava uma nota sensual — ou simplesmente amorosa — edetinham-no logo súbitos pudores se, por acaso, de longe se referia a qualquerdetalhe dessa natureza.Quanto à vida sexual do meu amigo, ignorava-a por completo. Sob esse pontode vista, Ricardo afigurava-se-me, porém, uma criatura tranquila. Talvez meenganasse… Enganava-me com certeza. E a prova — ai, a prova! — tive-aessa noite pela mais estranha confissão — a mais perturbadora, a maisdensa…Eram sete e meia. Havíamos subido todos os Campos Elísios e a Avenida doBosque até à Porta Maillot. O artista decidiu que jantássemos no Pavilhão deArmenonville — ideia que eu aplaudi do melhor grado.
Tive sempre muito afeto ao célebre restaurante. Não sei… O seu cenárioliterário (porque o lemos em novelas), a grande sala de tapete vermelho e, aofundo, a escadaria; as árvores românticas que exteriormente o ensombram, opequeno lago — tudo isso, naquela atmosfera de grande vida, me evocava poruma saudade longínqua, subtil, bruxuleante, a recordação astral de certaaventura amorosa que eu nunca vivera. Luar de outono, folhas secas, beijos echampanhe…* * *Correu simples a nossa conversa durante a refeição. Foi só ao café queRicardo principiou:— Não pode imaginar, Lúcio, como a sua intimidade me encanta, como eubendigo a hora em que nos encontramos. Antes de o conhecer, não lidarasenão com indiferentes — criaturas vulgares que nunca me compreenderam,muito pouco que fosse. Meus pais adoravam-me. Mas, por isso exatamente,ainda menos me compreendiam, Enquanto que o meu amigo é uma almarasgada, ampla, que tem a lucidez necessária para entrever a minha. É jámuito. Desejaria que fosse mais; mas é já muito. Por isso hoje eu vou ter acoragem de confessar, pela primeira vez a alguém, a maior estranheza do meuespírito, a maior dor da minha vida…Deteve-se um instante e, de súbito, em outro tom:
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ninguém… não podia experimentar
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— Que valem os outros, entanto, e
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A desventurada mal teve tempo para
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CAPÍTULO 8Pouco mais me resta a di
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Passaram velozes os meus dez anos d
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