Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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que queremos empreender, dele faremos a sua base, agrupan<br />
do em torno dessa análise outros fatos tomados seja da própria<br />
Índia, seja de outras religiões.<br />
O sacrifício é um ato religioso que só pode se efetuar num<br />
meio religioso e por intermédio de agentes essencialmente<br />
religiosos. Ora, antes da cerimônia, em geral, nem o sacrifi<br />
cante, nem o sacrificador, nem o lugar, nem os instrumentos,<br />
nem a vítima têm esse caráter no grau que convém. Assim, a<br />
primeira fase do sacrifício tem por objeto conferir-Ihes esse<br />
caráter. Eles são profanos, e é preciso que mudem de estado.<br />
Para tanto, são necessários ritos que os introduzam no mundo<br />
sagrado e ali os comprometam mais ou menos profundamente,<br />
conforme a importância do papel que desempenharão a seguir.<br />
É isso que constitui, segundo a expressão mesma dos textos<br />
sânscritos,52 a entrada no saerificio.<br />
I) O sacrifieante. Para examinar como essa mudança de estado se<br />
produz no sacrificante, tomemos de imediato um caso extremo,<br />
quase anormal, que não pertence ao ritual do sacrifício animal,<br />
mas em que os ritos comuns são como que ampliados e, por<br />
essa razão, mais facilmente observáveis. É o caso da diksâ, isto é,<br />
da preparação do sacrificante para o sacrifício do soma.53<br />
Assim que os sacerdotes são escolhidos, inicia-se toda uma<br />
série de cerimônias simbólicas que progressivamente irão des<br />
pojar o sacrificante do ser temporal que ele era para fazê-Ia<br />
renascer sob espécies inteiramente novas. Tudo o que diz res<br />
peito aos deuses deve ser divino, e o sacrificante é obrigado<br />
a tornar-se ele próprio deus para ter condições de agir <strong>sobre</strong><br />
eles.54Constrói-se-Ihe então uma cabana especial, estritamen-<br />
te fechada, pois o díksita é um deus e o mundo dos deuses está<br />
separado do mundo dos homens. 55Raspam-lhe os pêlos, cortam-lhe<br />
as unhas,56mas à maneira dos deuses, isto é, numa or<br />
dem inversa daquela que habitualmente seguem os homens. 57<br />
Após um banho purificatórid8 ele veste uma roupa de linho<br />
nova, 59indicando-se desse modo que uma nova existência vai<br />
começar para ele. Depois, tendo recebido várias unções,60 ele<br />
é coberto com a pele do antílope negro.61 É o momento solene<br />
em que o novo ser desperta nele. Ele se tornou feto. Cobrem<br />
lhe a cabeça com um véu e fazem-no fechar o punho,62pois em<br />
seu envoltório o embrião tem o punho fechado; fazem-no ir e<br />
vir em volta do fogo como o feto se agita no útero. Permanece<br />
nesse estado até a grande cerimônia da introdução do soma.63<br />
Então abre os punhos e descobre a cabeça: ele nasceu para a<br />
existência divina, ele é deus.<br />
Mas sua natureza divina, uma vez proclamada,64 lhe con<br />
fere direitos e lhe impõe os deveres de um deus, ou pelo menos<br />
de um santo. Ele não deve ter relações com os homens das<br />
castas impuras nem com as mulheres, não responde a quem<br />
o interroga, não pode ser tocado. 65Tornando-se um deus, ele<br />
está dispensado de todo sacrifício. Toma apenas leite, alimento<br />
de jejum. E essa existência dura longos meses até que seu cor<br />
po se torne diáfano. Então, tendo como que sacrificado seu an<br />
tigo corpo,66 tendo chegado ao último grau da superexcitação<br />
nervosa, ele está apto a sacrificar e as cerimônias começam.<br />
Na verdade, essa iniciação complicada e de longo pra<br />
zo, requerida para cerimônias de uma gravidade excepcional,<br />
constitui apenas uma ampliação. Mas a reencontramos, com<br />
menos exagero, nos ritos preparatórios do sacrifício animal<br />
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