Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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comunique, de um lado, com o domínio do religioso e, de<br />
outro, com o domínio profano, ao qual pertence o sacrificante.<br />
Os dois sistemas de ritos contribuem, cada um num sentido,<br />
para estabelecer essa continuidade que nos parece ser, feita<br />
essa análise, uma das características mais notáveis do sacrifício.<br />
A vítima é o intermediário pelo qual a corrente se estabelece.<br />
Graças a ela, todos os seres que participam do sacrifício se<br />
unem, todas as forças que nele intervêm se confundem.<br />
E mais: há não somente semelhança, mas estrita solida<br />
riedade entre essas duas formas de práticas de atribuição. As<br />
primeiras são a condição das segundas. Para que a vítima possa<br />
ser utilizada pelos homens, é preciso que os deuses tenham re<br />
cebido sua parte. E essa parte, com efeito, é portadora de uma<br />
tal santidade que o profano, apesar das consagrações prévias<br />
que numa certa medida o elevaram para além de sua natureza<br />
ordinária e normal, não pode tocá-Ia sem perigo. Cumpre as<br />
sim rebaixar em alguns graus essa religiosidade que está nela<br />
e que a torna inutilizável para os simples mortais. A imola<br />
ção já havia atingido esse resultado parcialmente. De fato, era<br />
no espírito que essa religiosidade estava mais eminentemente<br />
concentrada. Uma vez que o espírito se vai; a vítima se tor<br />
na mais abordável, pode-se manipulá-Ia com menos precau<br />
ções. Havia inclusive sacrifícios em que todo perigo desapare<br />
cia desde então: aqueles nos quais o animal era inteiramente<br />
utilizado pelo sacrificante, sem que nada fosse atribuído aos<br />
deuses. Mas noutros casos essa primeira operação não bastava<br />
para descarregar a vítima o quanto era necessário. Era preciso<br />
então empreender ainda uma outra para eliminar, na direção<br />
das regiões do sagrado, O que nela permanecera de demasiado<br />
perigoso; era preciso, como diz o ritual hindu, fazer uma espécie<br />
de novo sacrifício. 290<br />
Por fim, os numerosos ritos praticados <strong>sobre</strong> a vítima po<br />
dem ser resumidos, em seus traços essenciais, num esquema<br />
bastante simples. Começa-se por consagrá-Ia. Depois faz-se<br />
que as energias nela suscitadas e concentradas por essa consa<br />
gração escapem, umas em direção aos seres do mundo sagra<br />
do, outras em direção aos seres do mundo profano. A série de<br />
estados pelos quais passa a vítima poderia então ser figurada<br />
por uma curva que se eleva a um grau máximo de religiosidade,<br />
no qual permanece só um instante, e daí torna a descer<br />
progressivamente. Veremos que o sacrificante passa por fases<br />
homólogas.291<br />
A saída<br />
Os efeitos úteis do sacrifício foram produzidos, mas nem tudo<br />
terminou. O grupo de pessoas e coisas quecircunstancialmente<br />
se formou em torno da vítima não tem mais razão de ser,<br />
mas é preciso que ele se dissolva lentamente, sem choques.<br />
Como foram os ritos que criaram esse grupo, somente os ritos<br />
podem recolocar em liberdade os elementos que o formaram.<br />
Os laços que uniram os sacerdotes e o sacrificante à vítima<br />
não foram rompidos pela imolação: todos aqueles que parti<br />
ciparam do sacrifício adquiriram um caráter sagrado que os<br />
isola do mundo profano. É necessário que possam retornar a<br />
esse mundo, que saiam do círculo mágico onde ainda estão<br />
encerrados. Além disso, durante as cerimônias podem ter sido<br />
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