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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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niap99que constitui uma nova fase da cerimônia. Depois que os<br />

sacrificadores foram absolvidos de seu sacrilégio, os assisten­<br />

tes podem ousar comungar. Lembremos que de acordo com<br />

o mito a pítia lhes havia aconselhado isso.400Vários sacrifícios<br />

agrários são seguidos de uma comunhão semelhante. 401Me­<br />

diante essa comunhão os sacrificantes das Dipolia participavam<br />

da natureza sagrada da vítima. Recebiam uma consagração ate­<br />

nuada, porque ela era partilhada e uma parte do boi permane­<br />

cia intacta. Investidos do mesmo caráter sagrado das coisas que<br />

queriam usar, eles podiam se aproximar delas.402É por um rito<br />

desse gênero que os cafres de Natal e da Zululândia [sudeste da<br />

África] se permitem no início do ano o uso dos novos frutos: a<br />

carne de uma vítima é cozida com cereais, frutas e legumes, o<br />

rei põe um pouco na boca de cada homem e essa comunhão os<br />

santifica por todo o ano.403A comunhão da Páscoa tinha os mes­<br />

mos resultados.404Nos sacrifícios celebrados antes da lavoura<br />

freqüentemente dava-se ao lavrador uma porção da carne da<br />

vÍtima.405É certo que essa comunhão pode parecer inútil, pois<br />

o sacrifício prévio já teve por efeito profanar a terra e os cere­<br />

ais. Parece haver aí duplo emprego,406e de fato é possível que às<br />

vezes a comunhão fosse suficiente para obter o efeito desejado.<br />

Mas em geral ela sucede a uma dessacralização, que produz<br />

já uma primeira profanação. Isso é muito perceptível no rito<br />

hindu dos Varunapra8hâsas. A cevada é consagrada aVaruna, 407é<br />

seu alimento.4oBNo passado, diz o mito, as criaturas a comeram<br />

e ficaram hidrópicas. Foi graças ao rito que mencionamos que<br />

elas escaparam a esse perigo.409Vejamosem que ele consiste.<br />

Entre outras oferendas,410 dois sacerdotes fazem com<br />

grãos de cevada duas estatuetas que têm a forma de um car-<br />

neiro e de uma ovelha. O sacrificante e sua mulher colocam<br />

na ovelha e no carneiro - respectivamente - tufos de lã que<br />

representam seios e testículos, na maior quantidade possí­<br />

vel.411Depois faz-se um sacrifício, acompanhado de oferendas<br />

de cevada; uma parte é atribuída a Varuna e o resto é comido<br />

solenemente. "Pelo sacrifício afasta-se"412Varuna, elimina-se-o,<br />

e livram-se os que comerem a cevada do "laço" com que ele<br />

os prenderia. Depois, comendo-se o que resta das estatuetas<br />

absorve-se o espírito mesmo da cevada. Portanto, a comunhão<br />

acrescenta-se claramente à dessacralização. Nesse caso e nou­<br />

tros similares certamente se teme que a profanação tenha sido<br />

incompleta e que o sacrificante tenha recebido apenas uma<br />

meia-consagração. O sacrifício estabelece um nível entre a<br />

santidade do objeto a pôr em uso e a do sacrificante.<br />

Mas nos sacrifícios cuja finalidade é fertilizar a terra,413<br />

isto é, infundir-lhe uma vida divina ou tornar mais ativa a vida<br />

que ela pode ter, não se trata mais de eliminar um caráter sa­<br />

grado: é preciso comunicá-lo. Os procedimentos de comuni­<br />

cação direta ou indireta estão portanto necessariamente im­<br />

plicados nesse tipo de operação. É preciso fixar no solo um<br />

espírito que o fecunde. Os Khonds [Índia central] sacrificavam<br />

vítimas humanas para assegurar a fertilidade das terras; as car­<br />

nes eram divididas entre os diferentes grupos e enterradas nos<br />

campos.414Noutros lugares o sangue da vítima era derramado<br />

na terra.415 Na Europa depositam-se no campo as cinzas da<br />

festa de São João, pão bento do dia de Santo Antôni0416e ossos<br />

de animais mortos na Páscoa ou em outras festas.417Mas em<br />

geral nem toda vítima era empregada dessa maneira, e como<br />

nas Bouphonia os sacrificantes recebiam sua parte.418Às vezes<br />

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