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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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1°4<br />

sacrificante atribui ao rito. Imola-se um animal para redimir<br />

um dÍksita; por uma reação imediata, a alma liberada parte para<br />

alimentar a vida eterna da espécie. O sacrifício ultrapassa as­<br />

sim, naturalmente, as finalidades estritas que as teologias mais<br />

elementares lhe atribuem. E que ele não se compõe apenas de<br />

uma série de gestos individuais: o rito põe em movimento o<br />

conjunto das coisas sagradas às quais se dirige. Desde o início<br />

deste trabalho o sacrifício se nos afigurou como uma ramifica­<br />

ção especial do sistema da consagração.<br />

Não é o caso aqui de explicar longamente por que o pro­<br />

fano entra, desse modo, em relações com o divino; é que ele aí<br />

encontra a fonte da vida, as condições mesmas de sua existên­<br />

cia, e assim tem todo o interesse em se aproximar. Mas como<br />

entender que ele só se aproxime permanecendo à distância?<br />

Como entender que só se comunique com o sagrado por via<br />

de um intermediário? Os efeitos destrutivos do rito explicam<br />

em parte esse estranho procedimento. Se as forças religiosas<br />

são em si mesmas o princípio das forças vitais, são de uma tal<br />

natureza que seu contato é perigoso para o vulgo. Sobretudo<br />

quando atingem um certo grau de intensidade, não podem se<br />

concentrar num objeto profano sem destruÍ-Io. Portanto, por<br />

maior que seja a necessidade do profano ele só pode abordá-Ias<br />

com a mais extrema prudência. Eis por que intermediários se<br />

introduzem entre elas e ele, sendo que o principal é a vítima.<br />

Se o sacrificante se envolvesse completamente no rito, encontraria<br />

a morte e não a vida. A vítima o substitui. Somente ela<br />

penetra na esfera perigosa do sacrifício e ali sucumbe, estan­<br />

do ali para sucumbir. O sacrificante permanece protegido: os<br />

deuses tomam a vítima em vez de tomá-Io. Ela o redime. Moisés<br />

f<br />

II<br />

f<br />

não havia circuncidado seu filho, e Javé veio "lutar" com ele<br />

numa estalagem. Moisés estava morrendo quando sua mulher<br />

cortou violentamente o prepúcio da criança e o lançou aos pés<br />

de Javé, dizendo-lhe: "Es para mim um esposo de sangue". A<br />

destruição do prepúcio satisfez o deus, que não mais destruiu<br />

Moisés redimido. Não há sacrifício em que não intervenha al­<br />

guma idéia de remissão.<br />

Mas essa primeira explicação não é suficientemente ge­<br />

ral, pois no caso da oferenda a comunicação se faz igualmente<br />

por um intermediário e no entanto não há destruição. E que<br />

uma consagração demasiado forte tem graves inconvenientes,<br />

mesmo quando não é destrutiva. Tudo o que está muito pro­<br />

fundamente envolvido no domínio religioso é, por isso mesmo,<br />

retirado do domínio profano. Quanto mais um ser é impreg­<br />

nado de religiosidade, tanto mais lhe pesam interdições que o<br />

isolam. A santidade do nazÍr o paralisa. Por outro lado, tudo o<br />

que entra em contato muito Íntimo com as coisas sagradas ad­<br />

quire sua natureza e se torna sagrado como elas. Ora, o sacrifí­<br />

cio é feito por profanos. A ação que ele exerce <strong>sobre</strong> as pessoas<br />

e as coisas destina-se a torná-Ias capazes de cumprir seu papel<br />

na vida temporal. Assim, umas e outras só podem entrar util­<br />

mente no sacrifício com a condição de poderem sair. Os ritos<br />

de saída servem em parte a essa finalidade: eles atenuam a con­<br />

sagração, mas se ela é demasiado intensa não podem por si sós<br />

atenuá-Ia o bastante. Convém portanto que o sacrificante ou<br />

o objeto do sacrifício a recebam apenas amortecida, isto é, de<br />

uma maneira indireta. E para isso que serve o intermediário.<br />

Graças a ele os dois mundos em confronto podem se penetrar<br />

ao mesmo tempo que permanecem distintos.<br />

1°5

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