Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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deuses. Essa segunda atribuição é tratada em si mesma como<br />
uma espécie de sacrifício completo, 271de modo que se pedem<br />
escusas junto à vapá assim como fora feito junto à vítima no<br />
momento da imolação. Nesse ponto volta-se ao animal: ele é<br />
esfolado e sua carne é cortada em dezoito pedaços,272que são<br />
postos a cozinhar juntos. A gordura, o caldo e a espuma273que<br />
flutuam no pote onde se realiza esse cozimento são para o deus<br />
ou o casal de deuses a que se dirige esse sacrifício: tudo isso<br />
é sacrificado no fogo. O que assim se destrói representa for<br />
malmente, mais uma vez, a vítima por inteiro;275é uma nova<br />
eliminação total do animal que se efetua dessa maneira.<br />
Dos dezoito pedaços que serviram para fazer essa sopa,<br />
alguns são retirados e atribuídos ainda a várias divindades ou<br />
personalidades mÍticas.276Mas sete dessas porções servem a<br />
um fim bem diferente:277 é por meio delas que será comunica<br />
da ao sacrificante a virtude sagrada da vÍtima.278Essas porções<br />
constituem o que se chama idá, que é igualmente o nome da<br />
deusa que personifica os rebanhos e distribui a fortuna e a fe<br />
cundidade.279A mesma palavra designa portanto essa divinda<br />
de e a porção sacrificial. 280É que no curso da cerimônia a deusa<br />
vem nela se encarnar, tal como se descreve a seguir. Coloca-se<br />
a idá nas mãos previamente ungidas de um sacerdote; 281os<br />
outros sacerdotes e o sacrificante se aproximam e tocam-na. 282<br />
Enquanto estão nessa posição, invoca-se a deusa.283Trata-se<br />
aqui de uma invocação no sentido próprio e técnico da palavra<br />
(vacare in, chamar para dentro). A divindade não é apenas con<br />
vidada a participar do sacrifício, mas a descer <strong>sobre</strong> a oferenda.<br />
É uma verdadeira transubstanciação que se opera. Ao chamado<br />
que lhe é dirigido, a deusa vem e traz consigo todas as forças<br />
mÍticas: as do sol, do vento, da atmosfera, do céu, da terra, dos<br />
rebanhos etc. É assim que, como diz um texto,284consome-se<br />
na idá (porção sacrificial) tudo o que há de bom no sacrifício e<br />
no mundo. Então o sacerdote, que a segurava nas mãos, come<br />
sua parte2H5e a seguir o sacrificante faz o mesmo. 286Todos per<br />
manecem em silêncio até que o sacrificante tenha enxaguado a<br />
boca,287e depois288distribuem-se as outras porções aos sacer<br />
dotes que representam cada qual um deus.289<br />
Uma vez distinguidos nos rituais que acabam de ser com<br />
parados os ritos de atribuição aos deuses e os de utilização pelos<br />
homens, convém assinalar sua analogia. Uns e outros são feitos<br />
das mesmas práticas, envolvendo as mesmas manobras: a asper<br />
são do sangue, a aposição da pele - num caso <strong>sobre</strong> o altar ou<br />
o Ídolo e noutro <strong>sobre</strong> o sacrificante ou os objetos do sacrifício<br />
- e a comunhão alimentar, fictícia e mÍtica no que concerne aos<br />
deuses, real no que concerne aos homens. No fundo, essas di<br />
ferentes operações são todas substancialmente idênticas. Uma<br />
vez imolada a vítima, trata-se de pô-Ia em contato seja com o<br />
mundo sagrado, seja com as pessoas ou coisas que devem se<br />
beneficiar do sacrifício. A aspersão, o toque e a aposição dos<br />
despojos não são senão maneiras diferentes de estabelecer um<br />
contato que a comunhão alimentar leva a seu mais alto grau de<br />
intimidade, pois produz não uma simples aproximação exterior,<br />
mas uma mistura das duas substâncias, que se absorvem uma na<br />
outra a ponto de se tornarem indiscernÍveis.<br />
Se os dois ritos analisados são de tal forma semelhantes, é<br />
que os objetos visados de parte a parte também são análogos.<br />
Nos dois casos trata-se de fazer que a força religiosa que as<br />
sucessivas consagrações acumularam no objeto sacrificado se<br />
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