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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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torno de todas as vítimas, com ou sem o fogo. Era o deus Agni<br />

que cercava o animal por todos os lados, sacralizando-o; sepa­<br />

rando-o.177 Conquanto assim avançasse no mundo dos deuses,<br />

a vítima devia permanecer em contato com o mundo dos ho­<br />

mens. O meio empregado para assegurar essa comunicação é<br />

fornecido, nas religiões que estudamos aqui, pelos princípios<br />

da simpatia mágica e religiosa. Algumas vezes há representação<br />

direta, natural: um pai é representado pelo filho que ele sacri­<br />

fica etc.178Em geral, cabendo sempre ao sacrificante ter feito<br />

os encargos pessoalmente, há por isso mesmo uma representa­<br />

ção mais ou menos completa. 179Mas noutros casos a associação<br />

da vítima e do sacrificante realiza-se por um contato material<br />

entre o sacrificante (às vezes o sacerdote) e a vítima. No ritual<br />

semÍtico esse contato é obtido pela imposição das mãos, e em<br />

outros por ritos equivalentes.18oEm conseqüência dessa apro­<br />

ximação, a vítima, que já representava os deuses, passa a repre­<br />

sentar também o sacrificante. Mas ainda é pouco dizer que ela<br />

o representa: ela se confunde com ele; as duas personalidades<br />

se fundem. A partir de agora a identificação é tal que, pelo<br />

menos no sacrifício hindu, o destino da vítima, sua morte pró­<br />

xima, tem como que um efeito de retorno <strong>sobre</strong> o sacrificante.<br />

Disso resulta para este uma situação ambígua: ele precisa tocar<br />

o animal para permanecer unido com ele mas tem medo de<br />

tocá-Io, pois assim se expõe a partilhar seu destino. O ritual<br />

resolve a dificuldade com um meio-termo: o sacrificante só<br />

toca a vítima por intermédio de um dos instrumentos do sa­<br />

crifício.181É assim que a aproximação do sagrado e do profano,<br />

que vimos se processar progressivamente com os diversos ele­<br />

mentos do sacrifício, se completa na vítima.<br />

Eis que chegamos ao ponto culminante da cerimônia. Todos<br />

os elementos do sacrifício estão dados e acabam de ser<br />

postos em contato uma última vez. Mas resta efetuar a opera­<br />

ção suprema. 182A vítima já é eminentemente sagrada, mas o<br />

espírito que está nela, o princípio divino que ela agora contém,<br />

ainda está preso em seu corpo e ligado por esse último vÍn­<br />

culo ao mundo das coisas profanas. A morte irá desfazer esse<br />

vínculo, tornando a consagração definitiva e irrevogável. É o<br />

momento solene.<br />

É um crime que começa, uma espécie de sacrilégio. Assim,<br />

alguns rituais prescreviam libações e expiações enquanto a<br />

vítima era conduzida ao lugar de sua morte.183 As pessoas se<br />

escusavam do ato que iam cumprir, gemiam pela morte do<br />

animal, 184pranteavam-no como a um parente. Pediam-lhe per­<br />

dão antes de abatê-Io; dirigiam-se ao resto da espécie à qual<br />

ele pertencia como a um vasto clã familiar ao qual se suplicava<br />

não vingar o dano que se lhe causaria na pessoa de um de seus<br />

membros.185 Sob a influência das mesmas idéias,186chegava-se<br />

a punir o autor da morte: batiam nele187ou o exilavam. Em<br />

Atenas, o sacerdote do sacrifício das Bouphonia fugia jogando<br />

fora seu machado; todos os que haviam participado do sacrifí­<br />

cio eram citados no Pritaneu [palácio dos magistrados] e lançavam<br />

a culpa uns aos outros; por fim condenava-se o cutelo,<br />

que era lançado ao mar. 188Aliás, as purificações a que devia se<br />

submeter o sacrificador após o sacrifício assemelhavam-se à<br />

expiação do criminoso. 189<br />

Uma vez que o animal é colocado na posição prescrita e<br />

orientado no sentido determinado pelos ritos,190todos se calam.<br />

Na Índia, os sacerdotes se viram; o sacrificante e o ofician-<br />

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