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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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ções rituais que podem ser contrárias a seus intentos. A mácu­<br />

la319que ele contrai por não observar as leis religiosas ou pelo<br />

contato com coisas impuras é uma espécie de consagração. 320<br />

O pecador, como o criminoso, é um ser sagrado. 321Se ele sacrifica,<br />

a finalidade do sacrifício, ou pelo menos uma de suas<br />

finalidades, é livrá-Io dessa mácula. É a expiação. Mas notemos<br />

um fato importante: do ponto de vista religioso, doença, morte<br />

e pecado são idênticos. As faltas rituais são em sua maior<br />

parte sancionadas pelo infortúnio ou pelo mal físico.322E, in­<br />

versamente, supõe·-se que estes são causados por faltas cometi­<br />

das consciente ou inconscientemente. A consciência religiosa,<br />

mesmo a de nossos contemporâneos, nunca separou bem a<br />

infração às regras divinas e suas conseqüências materiais <strong>sobre</strong><br />

o corpo, <strong>sobre</strong> a situação do culpado, <strong>sobre</strong> seu futuro no ou­<br />

tro mundo. Dessa forma, podemos tratar como concomitantes<br />

os sacrifícios curativos e os sacrifícios puramente expiatórios.<br />

Uns e outros têm por objeto fazer passar à vítima, graças à<br />

continuidade sacrificial, a impureza religiosa do sacrificante e<br />

eliminá-Ia com ela.<br />

Assim, a forma mais elementar da expiação é a elimina­<br />

ção pura e simples. Desse gênero são a expulsão do bode de<br />

Azazel e a da ave no sacrifício da purificação do leproso. No<br />

Dia do Perdão escolhiam-se dois bodes. O sumo sacerdote,<br />

após diversos hattât, punha as duas mãos na cabeça de um deles,<br />

confessava <strong>sobre</strong> ele os pecados de Israel e depois o enviava<br />

ao deserto. O bode levava consigo os pecados que lhe eram<br />

comunicados pela imposição das mãos. 323No sacrifício da purificação<br />

do lepros0324o sacrificador tomava duas aves. Cortava<br />

o pescoço de uma delas acima de um vaso de argila contendo<br />

água. A outra era molhada nessa água sangrenta, com a qual<br />

uma aspersão era feita <strong>sobre</strong> o leproso. A ave viva era então<br />

solta e levava a lepra consigo. O doente precisava fazer apenas<br />

uma abluçãoj ele estava purificado e curado. O hattât apresenta<br />

uma eliminação igualmente clara nos casos em que os restos da<br />

vítima eram levados para fora do acampamento e queimados<br />

completamente.325 Os ~acrifícios medicinais hindus apresen­<br />

tam casos análogos.326Para curar a icterÍcia327prendem-se pássaros<br />

amarelos sob o leito do paciente e lustra-se este último<br />

de tal modo que a água caia <strong>sobre</strong> os pássaros, que se põem a<br />

pipilar. Como diz o hino mágico, é nesse momento que o amarelo<br />

da icterícia está "nos pássaros amarelos". 328Ultrapassemos<br />

um pouco esse estágio demasiado material do rito e considere­<br />

mos um homem que tem uma má sorte. Emprega-se uma série<br />

de ritos, alguns deles puramente simbólicos, 329mas outros que<br />

se aproximam do sacrifício. Prende-se à pata esquerda "de um<br />

galo preto"330um gancho, ao gancho um bolo, e diz-se ao soltar<br />

a ave:331"Voe daqui, ó má sorte,332afasta-te daqui! Voe para<br />

outra parte, <strong>sobre</strong> aquele que nos odeia. Com este gancho de<br />

ferro nós te prendemos". 333A tara do sacrificante se fixa na ave<br />

e desaparece com ela, seja porque se afasta, seja porque recai<br />

<strong>sobre</strong> o inimigo. 334<br />

Mas há um caso em particular no qual se vê claramente<br />

que o caráter assim eliminado é essencialmente religioso: o do<br />

"touro no espeto", 335vítima expiatória do deus Rudra. Rudra<br />

é o senhor dos animais, aquele que pode destruÍ-Ios, a eles<br />

e aos homens, pela peste ou pela febre. É portanto um deus<br />

perigoso.336Ora, como deus do gado ele existe no rebanho, ao<br />

mesmo tempo que o cerca e o ameaça. Para afastá-Io, concen-<br />

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