Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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la.253Ele assimilava as características do todo ao comer uma<br />
parte. Aliás, assim como havia casos em que tudo era queima<br />
do para o deus, havia outros em que o sacrificante recebia a<br />
totalidade da oblação.254<br />
Todavia, os direitos do sacrificante <strong>sobre</strong> a parte da vítima<br />
que lhe era entregue eram limitados pelo ritual. 255Na maioria<br />
das vezes ele devia consumi-Ia num tempo determinado. O<br />
LevÍtico permite comer os restos da vítima um dia depois da<br />
cerimônia do sacrifício do voto (neder) e do sacrifício chama<br />
do nedabá (oferenda voluntária). Mas se ainda houvesse res<br />
tos no terceiro dia eles deveriam ser queimados: aquele que<br />
os comesse pecaria gravemente.256 Em geral a vítima deve ser<br />
comida no dia mesmo do sacrifício;257quando este ocorre ao<br />
anoitecer, nada deve restar na manhã seguinte - caso do sacri<br />
fício da Páscoa.258Havia na Grécia restrições análogas, como<br />
nos sacrifícios 8wlç Tolç MELÀLXiOlÇ aos deuses ctonianos em<br />
Myonia, na Fócida. 259Além disso, a refeição sacrificial só podia<br />
ser realizada no recinto do santuário.260Essas precauções des<br />
tinavam-se a impedir que os restos da vítima, sendo sagrados,<br />
entrassem em contato com as coisas profanas. Ao mesmo tem<br />
po que defendia a santidade dos objetos sagrados, a religião<br />
protegia o vulgo contra a malignidade deles. Se era admitido<br />
que o sacrificante, embora profano, os tocasse e comesse, é<br />
que a consagração, ao santificá-Io, o colocara em condições<br />
de fazer isso sem perigo. Mas os efeitos de sua consagração<br />
duravam apenas um certo tempo, após o qual se dissipavam;<br />
daí a necessidade de que o consumo se desse num prazo determinado.<br />
Inutilizados, os restos deviam ser, se não destruÍ<br />
dos, pelo menos guardados e vigiados. 261Mesmo os resíduos<br />
da cremação que não pudessem ser destruÍdos nem utilizados<br />
não eram lançados ao acaso: eram depositados em locais espe<br />
ciais, protegidos por interdições religiosas. 262<br />
O estudo do sacrifício animal hindu, cuja descrição in<br />
terrompemos, apresenta um conjunto - raramente realizado<br />
- de todas essas práticas: tanto daquelas que dizem respeito à<br />
atribuição aos deuses quanto das que concernem à comunicação<br />
com os sacrificantes.<br />
Imediatamente após a asfixia da vítima, sua pureza sacri<br />
ficial é assegurada por um rito especial. Um sacerdote conduz<br />
para perto do corpo estendido a mulher do sacrificante, que<br />
assistiu à cerimônia, 263e em meio a diversas lavagens "faz beber"<br />
a cada um dos orifícios do animal as águas de purificação. 264<br />
Isso feito, começa o esquartejamento. Ao primeiro golpe do<br />
cutelo o sangue se esvai e deixa-se que extravase: é a porção<br />
destinada aos maus gênios - "És a parte dos raksas". 265<br />
Vem então a cerimônia que visa atribuir ao deus a parte<br />
essencial da vítima: a vapá - em termos médicos, o grande<br />
epÍploo.266Esta é arrancada rapidamente, com todo tipo de<br />
precauções e propiciações, e conduzi da em procissão como<br />
uma vítima, o sacrificante permanecendo sempre ao lado do<br />
sacerdote que a transporta.267 É então cozida junto ao fogo<br />
sagrado e faz-se que a gordura, ao derreter, verta gota a gota<br />
<strong>sobre</strong> o fogo. Diz-se que ela cai "<strong>sobre</strong> a pele do fogo", 268isto<br />
é, de Agni, e como Agni é encarregado de transmitir as ofe<br />
rendas aos deuses trata-se de uma primeira porção atribuída a<br />
eles.269Uma vez cozida e cortada, e depois que as necessárias<br />
invocações foram feitas, a vapá é lançada ao fogo270em meio<br />
a bênçãos e reverências. Trata-se de uma nova porção para os<br />
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