Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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centar às teorias de Rohde, Jevons e Nutt <strong>sobre</strong> os mistérios<br />
gregos, às quais devem ser associados os eventos citados por<br />
Lévi, extraídos das doutrinas dos bramanas,369e os que Bergaigne<br />
e Darmesteter já haviam identificado nos textos védicos370e<br />
avésticos.371Mencionemos também a relação que une a comu<br />
nhão cristã à salvação eterna.372Contudo, por importantes que<br />
sejam esses fatos, não se deve exagerar seu alcance. Enquanto<br />
a crença na imortalidade não é separada da teologia primitiva<br />
do sacrifício, ela permanece vaga. É a "não-morte" (amrtam) da<br />
alma que o sacrifício assegura. Ele é uma garantia contra o ani<br />
quilamento tanto na outra vida quanto nesta. Mas a noção de<br />
imortalidade pessoal só se separou daquela teologia a partir de<br />
uma elaboração filosófica, e ademais a concepção de uma outra<br />
vida não tem por origem a instituição do sacrifício. 373<br />
A quantidade, a variedade e a complexidade dos sacrifí<br />
cios objetivos são tais que só podemos abordá-los bastante su<br />
mariamente. Com exceção do sacrifício agrário, cujo estudo já<br />
se encontra bastante avançado, teremos de nos contentar com<br />
indicações gerais que mostram como esses sacrifícios se ligam<br />
ao nosso esquema geral.<br />
O traço característico dos sacrifícios objetivos é que o<br />
efeito principal do rito incide, por definição, <strong>sobre</strong> um objeto<br />
outro que não o sacrificante. De fato, o sacrifício não volta a<br />
seu ponto de partida: as coisas que ele visa modificar estão fora<br />
do sacrificante, de modo que o efeito produzido <strong>sobre</strong> este é<br />
secundário. Em vista disso, os ritos de entrada e saída, que visam<br />
particularmente o sacrificante, tornam-se rudimentares. É<br />
a fase central, o sacrifício em si, que tende a ganhar mais impor<br />
tância. Trata-se antes de tudo de criar um espÍrito,374seja para<br />
atribuÍ-lo ao ser real ou mÍtico relacionado ao sacrifício, seja<br />
para liberar uma coisa de uma virtude sagrada que a tornava<br />
inabordável, transformando-se essa virtude em espírito puro,<br />
seja ainda para buscar ambas as finalidades ao mesmo tempo.<br />
Além disso, o sacrifício muda conforme a natureza par<br />
ticular do objeto visado. No sacrifício de construção,17\ por<br />
exemplo, propõe-se produzir um espírito que seja o guardião<br />
da casa, do altar ou da cidade que se constrói ou se quer construir<br />
e que lhe fortaleça.176 Desenvolvem-se então ritos de<br />
atribuição. Emparedam-se o crânio da vítima humana, o galo,<br />
a cabeça de coruja. A importância da vítima varia segundo a<br />
natureza da construção - um templo, uma cidade ou uma sim<br />
ples casa. Conforme o edifício esteja construÍdo ou por cons<br />
truir, o sacrifício terá por objeto criar o espírito ou a divindade<br />
guardiã ou então será uma propiciação do gênio do solo que as<br />
obras de construção vão lesar.177Por isso a cor da vítima tam<br />
bém varia: por exemplo, é negra se se trata de propiciar o gê<br />
nio da terra e branca se se quer criar um espírito favorável. 178<br />
Mesmo os ritos de destruição não são idênticos nos dois casos.<br />
No sacrifício-demanda busca-se <strong>sobre</strong>tudo produzir cer<br />
tos efeitos especiais que o rito define. Se o sacrifício é a reali<br />
zação de uma promessa já feita, se é feito para desligar a pessoa<br />
do vínculo moral e religioso que pesa <strong>sobre</strong> ela, a vítima possui,<br />
em algum grau, um caráter expiatório.379 Se se quer, ao con<br />
trário, comprometer a divindade por um contrato, o sacrifício<br />
tem antes a forma de uma atribuição:380o princípio é o "do ut<br />
des" [dou para que dês], e conseqüentemente não há parte re<br />
servada aos sacrificantes. Se é o caso de agradecer a divindade<br />
por uma graça particular, 381o holocausto, isto é, a atribuição<br />
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