Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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o próprio local da cena deve ser sagrado: fora de um local<br />
santo a imolação não é mais que um assassinato. 120Quando<br />
o sacrifício se faz num templo121ou num local já sagrado por<br />
si mesmo, as consagrações prévias são inúteis ou ao menos<br />
muito reduzidas. É o caso do sacrifício hebreu tal como esta<br />
belecido pelo ritual do Pentateuco: ele era celebrado num san<br />
tuário único, consagrado antecipadamente,122 escolhido pela<br />
divindade123e divinizado por sua presença. 124Desse modo, os<br />
textos que chegaram até nós não contêm nenhuma disposição<br />
relativa à santificação repetida do lugar do sacrifício. Mesmo<br />
assim era preciso manter a pureza e a santidade do templo e<br />
do santuário: sacrifícios diários125e uma cerimônia expiatória<br />
anual respondiam a essa necessidade. 126<br />
Entre os hindus não havia templo. Cada um podia esco<br />
lher o lugar que quisesse para sacrificar, 127mas esse lugar de<br />
via estar previamente consagrado mediante alguns ritos, dos<br />
quais o mais essencial era aquele que consistia em dispor os<br />
fogos.128Não o descreveremos em detalhe. As cerimônias<br />
complexas que o constituem visam criar um fogo no qual en<br />
trem apenas elementos puros, já consagrados a Agni. 129Um<br />
desses fogos chega a ser aceso por fricção, a fim de que seja<br />
inteiramente novo. 130Nessas condições ele possui uma virtu<br />
de mágica que afasta os gênios maus, os malefícios e os de~<br />
mônios. O fogo é matador de demônios, mas dizer isso ainda<br />
é pouco: ele é deus; é Agni em sua forma completa.131 Do<br />
mesmo modo, segundo certas lendas bÍblicas o fogo do sacri<br />
fício não é outra coisa senão a própria divindade que devora a<br />
vítima ou, para dizer mais exatamente, o sinal da consagração<br />
que a inflama. 132<br />
O que o fogo do sacrifício hindu tem de divino comunica<br />
se portanto ao local sacrificial e o consagra.133 Essa localiza<br />
ção consiste num espaço retangular bastante vasto, chamado<br />
vihâra, 134e no interior desse espaço acha-se um outro, chama<br />
do vedi, cujo caráter sagrado é ainda mais eminente e que cor<br />
responde ao altar. A vedi tem assim uma posição mais central<br />
que os fogos. Estes, ao contrário do que ocorre na maioria<br />
dos outros cultos, não estão no próprio altar, mas em volta<br />
dele.135Os contornos da vedi são cuidadosamente desenhados<br />
no chão; 136para isso pega-se uma pá (ou, noutros casos, o sa<br />
bre de madeira mágico) e toca-se levemente a terra, dizen<br />
do: "O mau está morto". 137Toda impureza é assim destruÍda;<br />
o círculo mágico é traçado e o local está consagrado. Dentro<br />
dos limites assim demarcados, o terreno é escavado e nivelado,<br />
e esse buraco é que constitui o altar. Após uma lustração, ao<br />
mesmo tempo expiatória e purificatória, cobre-se o fundo do<br />
buraco com diferentes espécies de ervas rasteiras. É nessa rel<br />
va que vêm sentar-se os deuses aos quais se dirige o sacrifício;<br />
é aí que, invisíveis e presentes, assistem à cerimônia. 138<br />
Não insistiremos nos diversos instrumentos139 que são<br />
depositados no altarl40depois de terem sido ou fabricados no<br />
decorrer da sessão ou cuidadosamente purificados. 141Mas há<br />
um que deve reter nossa atenção, pois na verdade faz parte do<br />
altar: 142o yúpa, o poste ao qual vai ser atado o animal. Não é<br />
uma matéria bruta; a árvore de que foi feito já possuía por si<br />
mesma uma natureza divina,143que unções e libações a'inda re<br />
forçaram. 144Esse poste também ocupa uma posição eminente,<br />
pois é nele que será atado o mais importante de todos os personagens<br />
visíveis que tomarão parte na cerimônia: 145a vítima.<br />
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