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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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4°<br />

te se viram,191murmurando mantras propiciatórios.192 Não se<br />

ouve senão a voz única do sacerdote a proferir ordens ao sa­<br />

crificador. Este então aperta o laço que envolve a garganta do<br />

animap93- "acalma sua respiração", 194como diz o eufemismo<br />

empregado. A vítima está morta; o espírito partiu.<br />

Os ritos de morte eram extremamente variáveis, mas cada<br />

culto exigia que fossem escrupulosamente observados. Modi­<br />

ficá-Ias era quase sempre uma heresia funesta, punida com<br />

a excomunhão e a morte.195 É que com a morte do animal<br />

liberava-se uma força ambígua, ou melhor, cega, perigosa pela<br />

simples razão de ser uma força. Era preciso pois limitá-Ia, di­<br />

rigi-Ia e domá-Ia. Para isso é que serviam os ritos. Na maioria<br />

das vezes a vítima tinha a nuca ou o pescoço cortado. 196O ape­<br />

drejamento era um rito antigo que na Judéia veio a reaparecer<br />

somente em casos de execução penal, e na Grécia somente na<br />

condição de testemunha, no ritual de algumas festas. 197Alhu­<br />

res a vítima era espancada198ou enforcada.199 As precauções<br />

nunca eram demasiadas numa operação tão grave. Em geral<br />

desejava-se que a morte fosse imediata: apressava-se a passa­<br />

gem da vítima de sua vida terrestre para a sua vida divina a fim<br />

de não dar tempo para que as más influências corrompessem<br />

o ato sacrificial. Se os gritos do animal eram tidos como maus<br />

presságios, procurava-se abafá-Ias ou conjurá-los.20o Para evi­<br />

tar possíveis desvios da consagração desencadeada buscava-se<br />

controlar a efusão do sangue consagrado,201cuidando para que<br />

caísse apenas no lugar propÍci0202ou mesmo fazendo que não<br />

se derramasse uma única gota.203Mas também acontecia de<br />

não se fazer caso dessas precauções. Em MetÍdrio, na Arcá­<br />

dia, o rito ordenava dilacerar a vÍtima.204Podia-se mesmo ter<br />

interesse em prolongar sua agonia. 205A morte lenta, como a<br />

morte brusca, podia diminuir a responsabilidade do sacrifica­<br />

dor; pelas razões que mencionamos, os rituais eram engenhosos<br />

em encontrar-lhe circunstâncias atenuantes. Os ritos eram<br />

mais simples quando em vez de um animal se sacrificavam<br />

apenas bolos e farinha. A oblação era lançada no fogo inteira<br />

ou em parte.<br />

Com essa aniquilação efetuava-se o ato essencial do sa­<br />

crifício. A vítima separava-se definitivamente do mundo pro­<br />

fano; estava eonsaarada, saerifleada, no sentido etimológico da<br />

palavra, e as diversas línguas chamavam santifleação o ato que<br />

a elevava a esse estado. Ela mudava de natureza, como Demo­<br />

fonte, Aquiles e o filho do rei de Biblos quando Deméter, Tétis<br />

e Ísis consumiam no fogo a sua humanidade.206 Sua morte era<br />

aquela da fênix:207ela renascia sagrada. Mas o fenômeno que se<br />

passava nesse momento tinha uma outra face. Se por um lado o<br />

espírito estava liberado, tendo passado completamente para o<br />

mundo dos deuses, "atrás do véu", por outro, o corpo do ani­<br />

mal permanecia visível e tangível; e em virtude da consagração<br />

ele também estava pleno de uma força sagrada que o excluía<br />

do mundo profano. Em suma, a vítima sacrificada se assemelhava<br />

aos mortos, cuja alma residia ao mesmo tempo no outro<br />

mundo e no cadáver. Assim, seus restos eram cercados de um<br />

religioso respeito:208honras lhes eram prestadas. A morte deixava<br />

atrás de si uma matéria sagrada, a qual servia, como vere­<br />

mos, para desdobrar os efeitos úteis do sacrifício. Para isso era<br />

submetida a uma dupla série de operações. O que <strong>sobre</strong>vivia<br />

do animal era atribuído por inteiro ao mundo sagrado ou ao<br />

mundo profano ou ainda partilhado entre um e outro.<br />

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