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Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO

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nascem alguns deuses, mas ainda é pelo sacrifício que todos<br />

conservam sua existência. O sacrifício acabou então por se revelar<br />

como a essência e a origem dos deuses, o seu criador. 504E<br />

é também o criador das coisas, pois é nele que está o princípio<br />

de toda vida. Soma é ao mesmo tempo o Sol e a Lua no céu, a<br />

nuvem, o relâmpago e a chuva na atmosfera, o rei das plantas<br />

na terra; ora, no soma-vítima todas essas formas de Soma es­<br />

tão reunidas. Ele é o depositário de todos os princípios nutri­<br />

tivos e fecundantes da natureza. É ao mesmo tempo alimento<br />

dos deuses e bebida embriagante dos homens, autor da imor­<br />

talidade daqueles e da vida efêmera destes. Todas essas forças<br />

são concentradas, criadas e redistribuÍdas pelo sacrifício. Este<br />

é, portanto, "o senhor dos seres", Prajâpati. Ele é o Purusa,05<br />

do hino x, 90 do Ria Veda, de que nascem os deuses, os ritos,<br />

os homens, as castas, o Sol, a Lua, as plantas, o gado; ele será<br />

o brâmane da Índia clássica. Todas as teologias lhe atribuíram<br />

esse poder criador. Espalhando e reunindo alternadamente a<br />

divindade, de semeia os seres como Jasão e Cadmo semeiam<br />

os dentes do dragão de que nascem os guerreiros. Da morte<br />

ele tira a vida. As flores e as plantas brotam <strong>sobre</strong> o cadáver<br />

de Adônis; enxames de abelhas saem voando do corpo do leão<br />

morto por Sansão e do touro de Aristeu.<br />

Assim a teologia tomou suas cosmogonias dos mitos sacri­<br />

ficiais. Ela explica a criação - assim como a imaginação popular<br />

explicava a vida anual da natureza - por um sacrifício. Com<br />

efeito, reporta o sacrifício do deus à origem do mundo. 506<br />

Na cosmogonia assÍria, o sangue de Tiamat vencido dera<br />

origem aos seres. A separação dos elementos do caos era con­<br />

cebida como o sacrifício ou o suicídio do demiurgo. Gunkel507<br />

provou, acreditamos, que a mesma concepção se verificava<br />

nas crenças populares dos hebreus. Ela aparece na mitologia<br />

do Norte, e também está na base do culto mitraico. Os bai­<br />

xos-relevos querem mostrar a vida que sai do touro sacrifica­<br />

do, de modo que seu rabo termina por um feixe de espigas.<br />

Na Índia, enfim, a contínua criação das coisas por meio do<br />

rito acaba por se tornar uma criação absoluta e ex nibilo. No<br />

começo não havia nada. O Purusa desejou. Foi por seu suicí­<br />

dio, pelo abandono de si mesmo, pela renúncia a seu corpo<br />

-- modelo, mais tarde, da renúncia búdica - que o deus deu<br />

existência às coisas.<br />

Pode-se supor que a periodicidade subsistiu a esse grau de<br />

heroicização do sacrifício. Os retornos ofensivos do caos e do<br />

mal constantemente requerem novos sacrifícios, criadores e<br />

redentores. Assim transformado e como que sublimado, o sa­<br />

crifício se conservou na teologia cristã. 50SSua eficácia foi sim­<br />

plesmente transportada do mundo físico para o mundo moral.<br />

O sacrifício redentor do deus perpetua-se na missa diária. Não<br />

pretendemos investigar como se constituiu o ritual cristão do<br />

sacrifício, nem como ele se liga aos ritos anteriores. Acredita­<br />

mos no entanto que ao longo deste trabalho pudemos algumas<br />

vezes relacionar as cerimônias do sacrifício cristão àquelas que<br />

examinamos. Aqui nos será suficiente relembrar a espantosa<br />

similitude entre elas e indicar que o desenvolvimento de ritos<br />

tão semelhantes aos do sacrifício agrário pôde dar origem à<br />

concepção do sacrifício redentor e comunial do deus único e<br />

transcendente. Sob esse aspecto, o sacrifício cristão é um dos<br />

mais instrutivos que se pode encontrar na história. Nossos sa­<br />

cerdotes buscam, pelos mesmos procedimentos rituais, quase<br />

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