Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
Ensaio sobre o Sacrifício - WESLEY CARVALHO
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emolumento. Contudo, há razões para acreditar que mesmo<br />
nesses casos os sacerdotes eram agentes e representantes do<br />
deus. Assim, os oficiantes de Baco dilaceravam e devoravam as<br />
vítimas quando estavam possuÍdos.235Deve-se talvez conside<br />
rar como porções sacerdotais diversas atribuições feitas pelos<br />
reis236ou por famílias sagradas.237<br />
A incineração e o consumo pelo sacerdote tinham o fito<br />
de eliminar completamente do ambiente temporal as partes<br />
do animal. Como a alma, que a imolação anteriormente havia<br />
liberado, também elas eram dirigi das ao mundo sagrado. Havia<br />
casos em que a destruição e a eliminação resultante incidiam<br />
<strong>sobre</strong> o corpo inteiro e não apenas <strong>sobre</strong> algumas de suas par<br />
tes. Na ôlâ hebraica e no holocausto greg0238a vítima era intei<br />
ramente queimada no altar ou no local sagrado, sem que nada<br />
fosse separado. Após ter lavado as vÍsceras e os membros do<br />
animal, o sacerdote os queimava.239O sacrifício era por vezes<br />
chamado de kalil, isto é, completo. 240<br />
Entre os casos de destruição total, alguns apresentam uma<br />
fisionomia especial: a imolação da vítima e a destruição de seu<br />
corpo se operavam de uma só vez. Tais eram os sacrifícios por<br />
precipitação. Ao lançar-se um animal num abismo, ao precipi<br />
tá-Io da torre de uma cidade ou do alto de um templo,z41rea<br />
lizava-se ipso Jacto a separação brutal que era o sinal da consa<br />
gração.242Esse tipo de sacrifício geralmente era dirigido às divindades<br />
infernais ou aos gênios ruins. Tratava-se <strong>sobre</strong>tudo de<br />
afastar portadores de influências más, de suprimi-Ios do real. É<br />
certo que a idéia de atribuição não estava de todo ausente da<br />
operação. Concebia-se vagamente que a alma da vítima, com<br />
todos os poderes maléficos que portava, ia juntar-se ao mundo<br />
dos poderes maléficos - é assim que o bode do Grande Perdão<br />
era devotado a AzazeI,243Mas o essencial era eliminá-Ia,<br />
expulsá-Ia. Também ocorria de se efetuar a expulsão sem que<br />
houvesse morte. Em Lêucade [ilha da Grécia] previa-se que a<br />
vítima escapasse, mas na verdade ela era exilada. 244A ave solta<br />
nos campos no sacrifício da purificação dos leprosos, na Ju<br />
déia,245e o POÚÀq..lOC;246 expulso das casas e da cidade, em Atenas,<br />
eram sacrificados dessa maneira. Apesar da diferença dos ritos,<br />
acontece aqui o mesmo fenômeno observado no altar da ôlâ<br />
em Jerusalém, em que a vítima ascende inteiramente como<br />
fumaça diante da face de Javé. Em ambos os casos ela é separa<br />
da e desaparece completamente, embora não se dirija para as<br />
mesmas regiões do mundo religioso nos dois casos.<br />
Mas quando os restos da vítima não eram atribuídos por<br />
inteiro seja aos deuses, seja aos demônios, eram utilizados<br />
para comunicar aos sacrificantes ou aos objetos do sacrifício<br />
as virtudes religiosas que a consagração sacrificial havia susci<br />
tado. As operações que vamos descrever correspondem àque<br />
las que encontramos no início da cerimônia. Vimos então o<br />
sacrificante, pela imposição das mãos, passar à vítima algo de<br />
sua personalidade. Agora é a vítima, ou o que resta dela, que<br />
irá passar ao sacrificante as novas qualidades que adquiriu pelo<br />
sacrifício. Essa comunicação podia ser obtida por uma simples<br />
bênção,247mas em geral recorria-se a ritos mais materiais, tais<br />
como aspersão do sangue,248aposição da pele,249unções de<br />
gordura250e contato com os resíduos da cremação.251Às vezes<br />
o animal era cortado em dois e o sacrificante passava pelo<br />
meio.252Mas o modo mais perfeito de realizar a comunicação<br />
era entregar ao sacrificante uma parte da vítima para consumi-<br />
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